Mitos e as verdades sobre a dirreia neonatal

Mitos e as verdades sobre a dirreia neonatal

28 de novembro, 2024

Bezerras neonatas são particularmente sensíveis aos mais diversos desafios que enfrentam desde o momento do nascimento até os 30 dias de vida. Ao nascer, a bezerra deixa o conforto do útero materno um ambiente aconchegante, com temperatura e condições ideais para enfrentar um ambiente externo desafiador, tanto do ponto de vista térmico quanto sanitário.

Por isso, é essencial que, ao nascer, as bezerras recebam os cuidados iniciais na maternidade, com destaque para a secagem e termorregulação, a colostragem e a cura do umbigo, medidas fundamentais para minimizar a ocorrência de doenças e reduzir a mortalidade no período neonatal. A diarreia é a principal doença enfrentada por bezerras neonatas em todo o mundo, com alta capacidade de se espalhar pelos bezerreiros e gerar graves consequências para a saúde e o desempenho dos animais. Além disso, a diarreia neonatal é frequentemente a primeira enfermidade que a bezerra enfrenta logo após o nascimento, o que faz com que esse tema seja amplamente discutido. 

É importante entender como ocorrem os episódios de diarreia, como diagnosticá-los, tratá-los e preveni-los. No entanto, é fundamental avaliar a qualidade das informações disseminadas sobre o tema. A seguir, serão abordados 10 mitos e verdades sobre a diarreia neonatal em bovinos. 

MITO: Toda bezerra que recebe sucedâneo tem diarreia

Esse pensamento é muito polêmico e difundido. Bezerras podem apresentar diarreia por diversas razões, que vão desde infecções causadas por microrganismos patogênicos até causas não infecciosas. O uso de sucedâneo é prática comum nas fazendas, principalmente porque é mais econômico que o uso de leite cru e pode suprir as necessidades nutricionais do animal. Porém, um dos fatores que pode resultar em quadros de diarreia é o uso de um sucedâneo de má qualidade ou preparado de forma inadequada. 

Por isso, ao escolher um sucedâneo, é importante que seja de fácil digestão, tenha um sabor agradável que estimule o consumo e contenha os nutrientes necessários para atender às exigências nutricionais da bezerra. Além disso, o preparo correto é fundamental: a diluição deve seguir rigorosamente as recomendações do fabricante para evitar problemas de diarreia. Recomenda-se também optar por sucedâneos ricos em proteínas de origem animal, que normalmente contêm mais derivados do leite e são melhor digeridos pelas bezerras.

VERDADE: A colostragem previne a ocorrência das diarreias

Sem dúvida alguma. O colostro é o primeiro produto secretado pela glândula mamária após o parto, sendo riquíssimo em anticorpos, proteínas, vitaminas, células de defesa e outros nutrientes essenciais para o fortalecimento e sobrevivência do recém-nascido. Ao nascer, a bezerra precisa receber os anticorpos passivamente por meio do colostro nas primeiras horas de vida, já que os anticorpos não são transmitidos da mãe para o feto na placenta, como ocorre em humanos. Sendo assim, o colostro é um dos principais fatores para prevenir as diarreias, especialmente aquelas causadas por microrganismos. 

O sucesso da colostragem depende de três fatores principais: qualidade, quantidade e tempo de administração. O colostro deve ser de alta qualidade, com uma concentração adequada de imunoglobulinas, e ser fornecido de maneira higiênica. Em relação à quantidade e ao tempo, recomenda-se que a bezerra receba 10% do seu peso vivo nas primeiras duas horas de vida. Após seis horas, deve ser fornecido mais 5% do peso vivo. Por exemplo, uma bezerra que nasce com 40 kg deve receber 4 litros de colostro nas primeiras duas horas e mais 2 litros após seis horas. Já está amplamente comprovado que animais que recebem colostro de forma adequada estão mais preparados para enfrentar episódios de diarreia neonatal.

O manejo adequado e o cuidado com a saúde neonatal são essenciais para garantir o desenvolvimento saudável desses animais, prevenindo doenças como a diarreia neonatal, um dos principais desafios enfrentados nessa fase inicial da vida

MITO: Deve-se deixar de fornecer leite aos animais com diarreia

Cortar o leite de uma bezerra com diarreia, além de ser um mito, pode gerar consequências graves. O leite contém todos os nutrientes necessários para a sobrevivência, ganho de peso e desenvolvimento saudável do animal. Ao suspender o fornecimento de leite, a principal fonte de nutrientes é negada. Durante episódios de diarreia, uma grande quantidade de nutrientes, especialmente água e minerais, é perdida nas fezes. 

Além disso, a própria diarreia compromete a capacidade de absorção dos nutrientes, o que torna ainda mais crucial que o leite continue a ser fornecido. O leite não apenas proporciona os nutrientes essenciais, mas também contribui para a hidratação do animal, ajudando a compensar as perdas ocasionadas pela diarreia. 

VERDADE: A hidratação é fundamental no enfrentamento das diarreias 

A hidratação é essencial. A desidratação é um dos principais sinais clínicos observados em bezerras com diarreia e está fortemente associada à mortalidade em neonatas. A reposição adequada de fluidos e eletrólitos perdidos através das fezes é importante, pois, à medida que essas perdas se intensificam, o quadro clínico tende a piorar, deixando o animal mais apático. Por isso, assim que a diarreia é identificada, o primeiro passo deve ser a hidratação, que muitas vezes é determinante para a sobrevivência do animal. 

Em casos de desidratação leve (menores que 6%), a reposição pode ser feita por meio de soro oral, sem necessidade de administração intravenosa. Ao contrário do que se pensa, é possível fazer um soro de excelente qualidade na própria fazenda e mantêlo estocado para uso imediato. No setor de clínica de ruminantes da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi desenvolvida uma fórmula (Tabela 1) simples e bastante eficaz de soro para esse fim.

MITO: Todo quadro de diarreia é causado pelo mesmo agente

As causas de diarreia podem variar entre infecciosas e não infecciosas. Embora as causas infecciosas sejam mais comuns, elas diferem em função dos tipos de microrganismos envolvidos, como vírus, bactérias e protozoários. Além disso, outros fatores, como ambiente, idade, condições de saúde e qualidade da colostragem, também desempenham um papel importante na manifestação da doença. 

Por exemplo, nos primeiros dias de vida, a bezerra apresenta maior incidência de diarreias causadas por vírus, como Rotavirus e Coronavirus, e por bactérias, como Escherichia coli. Entre a primeira e a segunda semana de vida, é comum a ocorrência de diarreia causada por Cryptosporidium parvum, um protozoário que se destaca por sua alta prevalência e capacidade de disseminação entre os animais, sendo o principal agente de diarreia neonatal bovina. A partir dos 21 dias, é mais provável a ocorrência de quadros de eimeriose e, em fases mais avançadas, a infecção por vermes torna-se mais relevante. 

É importante destacar que, frequentemente, as infecções não ocorrem de forma isolada, ou seja, uma mesma bezerra pode apresentar mais de um agente causador da diarreia ao mesmo tempo. 

VERDADE: A diarreia contribui para a redução do ganho de peso médio diário das bezerras

É bastante comum que bezerras com diarreia apresentem redução no consumo de alimento, geralmente manifestada como rejeição ao leite ou sucedâneo oferecido. Além disso, em muitos casos, a perda de nutrientes durante o processo é bastante significativa. Durante o curso da doença, lesões no sistema digestório podem ocorrer, o que prejudica ainda mais a capacidade de absorção dos nutrientes. 

A combinação entre a perda de nutrientes pelas fezes, a redução no consumo de alimento e o comprometimento da absorção resulta em uma diminuição significativa da capacidade de ganho de peso das bezerras. 

MITO: Toda diarreia precisa ser tratada com antimicrobiano 

É uma prática comum em muitas fazendas estabelecer protocolos de tratamento para diarreia que envolvem o uso de antibióticos. No entanto, como mencionado anteriormente, muitos agentes causadores de diarreia, como vírus e protozoários, não respondem ao tratamento com antimicrobianos. Nesses casos, o uso de antibióticos tem pouco ou nenhum efeito terapêutico. 

Além disso, o uso indiscriminado de antimicrobianos pode colocar em risco a saúde das bezerras, contribuindo para o surgimento de bactérias resistentes, o que também representa uma ameaça à saúde pública. Por isso, o uso de antimicrobianos deve sempre ser baseado em um diagnóstico preciso e realizado sob a orientação de um Médico Veterinário responsável.

O cuidado imediato com a secagem, termorregulação e a administração de colostro de qualidade são essenciais para garantir a saúde e a sobrevivência do animal nos primeiros dias, prevenindo doenças como a diarreia neonatal

VERDADE: A diarreia pode predispor a outras doenças 

É amplamente reconhecido que há forte associação entre diarreias e quadros de doença respiratória em bezerras. Assim como o trato digestivo, o sistema respiratório possui barreiras de defesa contra possíveis agentes patogênicos. Uma dessas barreiras está presente em estruturas do aparelho respiratório chamadas cílios, que, por meio de seus movimentos, impedem que microrganismos penetrem pelo epitélio. No entanto, a desidratação provocada pela diarreia compromete o funcionamento eficiente desses cílios, prejudicando as defesas naturais do organismo. 

Além disso, alguns microrganismos patogênicos do trato digestório, responsáveis pela diarreia, podem atingir o umbigo, especialmente nos casos em que o umbigo não foi devidamente curado. Quando isso ocorre, esses microrganismos podem causar problemas no fígado, nas articulações, quadros de septicemia e, em casos mais graves, a morte do animal. 

MITO: Uma forma de evitar diarreia é aplicar medicamento antes que ela aconteça 

O ditado “é melhor prevenir do que remediar” é amplamente utilizado na criação de bezerras, mas prevenir a diarreia não significa administrar medicamentos de forma antecipada. As diarreias ocorrem muito cedo na vida das bezerras, e é um equívoco acreditar que a aplicação de medicamentos, como antimicrobianos e anti-inflamatórios, antes do aparecimento dos sintomas, seja eficaz para impedir a ocorrência da doença, com a ideia de que esses medicamentos eliminariam microrganismos antes de causarem problemas. 

Muitos medicamentos são úteis no controle da progressão de doenças e auxiliam o sistema imunológico, mas o uso excessivo pode comprometer as defesas naturais da bezerra. Em alguns casos, a dose terapêutica de certos medicamentos é muito próxima da dose tóxica, ou seja, a quantidade administrada pode estar perto do limite que causaria danos ao animal. Por isso, toda medicação deve ser administrada sob orientação de um Médico Veterinário, tanto por questões de saúde quanto por razões econômicas, visto que medicamentos são caros. 

A melhor forma de prevenção da diarreia não está na medicação, mas em práticas de manejo adequadas, que incluem a higiene dos utensílios usados no aleitamento, a limpeza do ambiente de criação e os cuidados com quem manuseia os animais. 

VERDADE: Vacinar as vacas ajuda na diarreia das bezerras

Quando se trata do enfrentamento de diarreias, a qualidade do colostro é um dos fatores mais relevantes. Além de ser rico em nutrientes como carboidratos, proteínas, lipídeos, minerais e vitaminas, o colostro contém anticorpos e outros componentes essenciais para o sistema imunológico. Durante a produção na glândula mamária, o organismo da vaca transfere parte de seus próprios anticorpos para o colostro.

As vacinas são ferramentas importantes nesse processo, pois estimulam o sistema imune da vaca a produzir mais anticorpos, o que eleva a concentração desses elementos no colostro. Bezerras recém-nascidas não têm um sistema imunológico desenvolvido o suficiente para gerar esses anticorpos de forma eficaz, tornando crucial que recebam um colostro de alta qualidade logo após o nascimento. A maior parte desses anticorpos é fundamental para combater microrganismos causadores de doenças. 

Por isso, é essencial estabelecer um protocolo vacinal adequado durante a gestação, sempre com o acompanhamento de um Médico Veterinário, sem esquecer de associar a vacina a outras práticas importantes de prevenção. A vacinação deve ser vista como um ajuste fino no manejo, sendo mais eficaz quando combinada com boas práticas de criação.

 

Fonte:

REVISTA LEITE INTEGRAL

Autores: 

ENZO FREIRE SANTANA DO AMARAL Graduando em Medicina Veterinária, EV/UFMG

GIAN CARLOS DE OLIVEIRA Mestrando em Ciência Animal, EV/UFMG 

RODRIGO MELO MENESES Professor de Clínica de Ruminantes, EV/UFMG

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