Victor Breno Pedrosa


Zootecnista, Prof. Dr. de Melhoramento Animal e Estatística

vbpedrosa@uepg.br

PUBLICAÇÕES

O Herd Book e os primórdios do Melhoramento Genético

22 de setembro, 2019

Autor: Dr. Victor Breno Pedrosa*

 

Desde o início da humanidade, uma grande diversidade de raças bovinas apareceu ao redor do mundo sem que houvesse muito controle sobre estas, pelo menos até meados dos séculos XVIII e XIX, em que a domesticação passou a ser mais frequente, principalmente devido ao surgimento das cidades durante a revolução industrial. O processo de urbanização ocorrido naquela época fez com que os processos de armazenagem de alimentos e demanda periódica de produtos fossem mais intensos e, com isso, a disponibilidade de produtos como carne e leite passou a ser exigida com mais celeridade.

Tal fato proporcionou importante evolução no meio agropecuário, dentre as quais, melhoria dos processos de estocagem, melhoria dos processos de distribuição de produtos, mas principalmente, aumento da demanda de produção e, consequentemente, necessidade de elevação da produtividade, em um curto período. Daquele momento em diante, o mundo havia mudado profundamente, principalmente na relação consumidor x fornecedor, em que se passou a exigir um mínimo padrão de produção. Mas, como estabelecer melhoria e padronização sem controle? Foi justamente este questionamento que fez com que os criadores passassem a se organizar para estabelecer conjuntamente critérios e parâmetros desejáveis de produção, que atendessem as primordiais exigências da época.

Até então, os bovinos atendiam as demandas de carne e leite, quase que sem distinção de aptidão produtiva. O direcionamento de raças para produções específicas, como só carne ou só leite, passaram a ser observadas justamente pela necessidade eminente de aumento da produtividade. Com isso, os criadores que preconizaram a produção de leite escolhiam as melhores fêmeas por perceber que estas eram capazes de produzir mais leite, por um maior período de tempo. Assim, as raças de aptidões específicas começaram a surgir, e com elas a necessidade do estabelecimento de padronização racial e, por consequência, do registro individual dos animais.

O termo “Herd-Book” ou "livro genealógico" é usado, desde então, em todo o mundo, para designar o procedimento pelo qual a linhagem de qualquer grupo ou espécie de produção é registrada. O processo que ele representa é a base de todo o sistema de criação de bovinos, melhoria de desempenho e registro fenotípico e genealógico de animais no processo de criação e aprimoramento das raças. Esse fundamento mais importante é a identificação: identificação de ancestralidade, identificação de animais individuais e identificação de descendentes e colaterais.

Parte fundamental deste processo, é a qualidade de identificação na qual as organizações de raças registram os animais. Sem um controle rigoroso e pessoas aptas para identificação dos animais, o conjunto de informações armazenadas fica prejudicado. A integridade dos registros básicos de identificação e a credibilidade de seu banco de dados, como uma fonte confiável de informações das quais os criadores podem se beneficiar, é fundamental para o progresso das raças ao longo dos séculos. Para as principais raças leiteiras, o rigoroso controle de informações armazenado nos “Herd-Books” data de muitos anos atrás. O Herd-Book mais antigo que se tem conhecimento foi mantido entre 1775 e 1782 no Mosteiro de Einsiedeln, em uma região montanhosa da Suíça, onde a raça Braunvieh foi estabelecida. Os registros indicam ainda que o primeiro livro de gado Ayrshire foi publicado em 1863, seguido pelo Herd-Book da raça Jersey em 1868 e da raça Holandesa em 1871. O primeiro Herd Book da raça Guernsey é datado de 1877 e da raça Pardo-Suíço em 1880.

Com o controle e registro dos animais aumentou o interesse dos criadores pela caracterização racial e pelo melhoramento animal. A partir daí, as raças puras, inclusive a maioria das que conhecemos hoje, foram estabelecidas e isto foi crucial para o processo de melhoria genética. Com a caracterização racial e com objetivos bem definidos dentro de cada raça foi possível entender mais a fundo o padrão produtivo e morfológico de cada agrupamento genético e, assim, tomar medidas que pudessem proporcionar melhorias. Ainda, com os registros anotados nos Herd-Books, os criadores puderam identificar mais facilmente quem eram os melhores reprodutores de cada raça e, com isso, multiplicar a genética destes, mesmo que regionalmente, o que despertou o interesse evidente pela genética e pela comercialização com base no potencial produtivo e morfológico dos animais.

Nascia aí a base do melhoramento animal que conhecemos hoje, vinculada ao registro de animais que possibilita a estruturação dos pedigrees, com interesse nas anotações fenotípicas que permite o conhecimento de indicadores zootécnicos. Por fim, somando-se pedigree e fenótipo, possibilita-se a estimação do mérito genético dos indivíduos, o que admite o apontamento dos animais melhoradores, que serão os pais das próximas gerações...isso tudo sem mencionar a genômica. Mas isto é assunto para outro dia!! Um grande abraço e te espero na próxima publicação.

 

Referências:

- FELIUS, M. et al. On the history of cattle genetic resources. Diversity, v. 6, n. 4, p. 705-750, 2014.

- RUMLER, R. H. Dairy cattle breed organizations in the United States. Journal of Dairy Science, v. 64, n. 6, p. 1278-1282, 1981.

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*Victor Breno Pedrosa - Professor Doutor na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Possui graduação em Zootecnia, e Mestrado pela USP (Universidade de São Paulo). Tem especialização em Animal Genomics pela University of Guelph (Canadá) e Doutorado em Zootecnia pela USP (Universidade de São Paulo) e pelo Institut für Nutztiergenetik (Alemanha). É coordenador do LeMA - Laboratório de estudos em Melhoramento Animal.

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