Inclusão social pelo agro

Inclusão social pelo agro

02 de março, 2024

Artigo escrito por Paulo do Carmo Martins*, originalmente publicado na Revista Balde Branco

 

Na minha infância convivi com o Brasil da escassez. Me lembro da minha mãe reclamando da escassez de feijão, uma leguminosa que gostava de frequentar manchetes de jornais. Quem tem menos de quarenta anos nunca vivenciou a sociedade inteira discutindo...preço de feijão! Não sabe o que é cota para comprar o básico. No passado, vivíamos permanentemente em risco de segurança alimentar. Por que hoje não?

No início dos anos setenta, os supermercados ainda não estavam disseminados e a referência no varejo de alimentos era os “Secos e Molhados”, ou seja, as vendinhas que tinham de tudo um pouco, do querosene ao sabonete, passando pelo açúcar e o fubá. O que viabilizou a mudança do padrão do varejo de alimentos no Brasil?

Uma propriedade rural, há cinquenta anos, buscava ser autossuficiente. Produzia-se ali tudo que a família precisava para se alimentar. O excedente era levado ao mercado, para ser transformado em dinheiro, que viabilizava a compra do combustível, do tecido, do sapato, do remédio e da “água de cheiro”. Quando as propriedades começaram a se especializar?

Feijão caro e escasso, secos e molhados e propriedades rurais multifuncionais são reminiscências que marcam um passado. Mas, uma realidade ainda presente na maioria dos países latinos, africanos e asiáticos. Consumo, varejo e produção ainda continuam a ser problemas diários em boa parte do mundo. E aqui, como fizemos esta mudança estrutural?

Alysson Paolinelli foi Secretário de Agricultura de Minas Gerais, num período em que a indústria era insipiente e o Estado tinha a agricultura mais importante da Federação. Paolinelli estava na faixa dos trinta anos e foi pressionado a erradicar pés de café. Decidiu ir contra a determinação do Governo Federal e seus técnicos. Mostrou para o Governador que era preciso resistir às pressões, em função de um estudo que ele encomendou à Fundação Getúlio Vargas, que mostrou o impacto negativo para a economia.

Foi dessa forma que Paolinelli trouxe para a formulação de políticas públicas brasileiras o ingrediente de sucesso do nosso agro: a ciência!  Isso iria mudar a maneira com que produzimos e consumimos alimentos hoje no Brasil.

Paolinelli encontrou outros visionários pelo caminho, como Eliseu Alves. Ambos acreditavam que era possível superar a escassez de alimentos, pela ciência. Ambos eram homens de ciência. Paolinelli, muitos não sabem, foi Reitor da Universidade Federal de Lavras – UFLA. Já Eliseu Alves, foi um dos idealizadores da criação da Embrapa, um de seus presidentes e um ícone para esta Empresa.

As fazendas brasileiras deixaram de ser autossuficientes porque passaram a ser orientadas pelas forças de mercado e não pela busca da sobrevivência. Passaram a mirar em fazer riqueza e não se limitar ao sustento. A mudança do modo de pensar, contudo, não aconteceu do nada. Foi preciso, primeiro, ter pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias tropicais, para que os produtores fizessem a transformação. Ao se especializarem, as fazendas cresceram a produtividade continuamente, aumentando a disponibilidade de produtos básicos na mesa dos brasileiros.

A especialização da produção gerou impactos estruturais, pois melhorou a condição de vida do produtor brasileiro, que abandonou a enxada e caminhou para a mecanização. Isso aumentou ainda mais a produtividade e a renda auferida, estimulando-o a buscar continuamente conhecimento para permanecer crescendo. E o interesse do produtor em inovar estimulou os pesquisadores a buscarem adaptar culturas exóticas, como a soja, o trigo e a uva, em regiões tropicais.

Mas, os ganhos tornaram-se maiores fora das fazendas. E foram além dos ganhos econômicos. A maior inclusão social feita no Brasil foi a redução contínua do custo dos alimentos da cesta básica, resultante do aumento da oferta. Isso trouxe segurança alimentar para um conjunto imenso de brasileiros, que antes viviam o drama da incerteza na sua mesa de refeições. Hoje, a questão de acesso a alimentos não é mais um problema de oferta. O limitante é a renda de parcela de brasileiros, ainda não incluídos ao consumo.

Em 2005 fiz visita oficial a Cuba. Circulei pelo interior, conversei com pessoas do povo e do Governo. Em 2018, resolvi voltar, em viagem de turismo, com propósito claro: conhecer a vida de um cubano comum. Então, decidi pagar para ficar na casa de um deles, em Havana. Com esgoto a céu aberto, tendo de andar três quilômetros todo dia para chegar na região dos hotéis, fui captando a alma cubana. Mas, isso é outra conversa...

Em Cuba, entrei nas lojas de alimentos. Voltei ao tempo. Me lembrei da época em que os abacaxis eram feios, pequenos e ácidos. Não vi variedade de folhas, de frutas, de legumes. Ali, me dei conta que o agro brasileiro viabilizou a lógica de supermercados, que exibem variedade e abundância. Afinal, sem o agro, como teríamos a exuberância exposta nos supermercados? O agro brasileiro gerou revolução social econômica e cultural. Mudou nossa maneira de viver, no campo e na cidade.

 

*Paulo do Carmo Martins é pesquisador da Embrapa e Professor da Facc/UFJF.

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