Nem tanto ao mar, nem tanto à terra
15 de junho, 2021
O Escore de Condição Corporal (ECC) ao parto é um fator que deve ser controlado e manejado, para que as matrizes apresentem o melhor desempenho produtivo e reprodutivo durante a lactação que se inicia.
O ECC é uma avaliação subjetiva, feita em escala de 1 a 5, por meio da observação da quantidade de gordura depositada no animal. Para que a matriz apresente escores ideais ao parto (entre 2,75 e 3,25), o manejo -para vacas - deve ser iniciado nas etapas finais da lactação anterior, nos momentos em que as matrizes passam pelos lotes de menor produção, por exemplo.
Partos com ECC adequados permitirão que as matrizes sejam mais saudáveis, emprenhem mais rápido e produzam mais leite.
O período de serviço (PS), separadamente, não foi listado como um dos doze indicadores que compõem a nota única do Índice Ideagri do Leite Brasileiro (IILB), no entanto, ele está contemplado ou influencia outros índices considerados, tais como o DEL (dias em lactação) médio do rebanho, a taxa de prenhez e o percentual de vacas em lactação em relação ao total de vacas.
O PS é o período, em dias, do parto até a primeira cobertura, inseminação artificial, transferência de embrião ou fertilização in vitro, com confirmação de gestação (prenhez positiva). Para este levantamento, consideramos apenas as primeiras concepções oriundas de inseminação artificial.
Critérios para o levantamento
A análises foram realizadas com base no IILB-9, disponibilizado no último mês de abril, que avaliou 1.130 rebanhos. Para padronizar o levantamento, considerando que o ECC é visual, de avaliação subjetiva e preenchimento facultativo, foram aplicados critérios, destacados no Quadro 1.
O IILB-9 abrangeu o ano de 2020. Para as análises específicas aqui apresentadas, foram considerados partos ocorridos em um intervalo de 3 anos (2018, 2019 e 2020), para os mesmos 1.130 rebanhos, objetivando amostragem mais abrangente.
Período de serviço geral
O volume de partos disponíveis com posterior prenhez confirmada por inseminação artificial, no período avaliado para esta coluna (3 anos), foi de mais de 267 mil partos (em 1.130 rebanhos).
Como uma das finalidades do IILB e dos artigos a ele relacionados é criar bases para valores de indicadores dos rebanhos profissionais do Brasil, ainda que o total de partos não tenha sido considerado para a análise específica da relação entre o ECC e o PS, os dados de todos os períodos de serviço para inseminações artificiais, independentemente do tipo de sêmen (convencional ou sexado), foram disponibilizados como referência, organizados em faixas, por ano, na Tabela 1.
Como comentado, o PS não está diretamente contemplado nos indicadores usados para o cálculo da nota geral do IILB, no entanto, está profundamente relacionado aos demais indicadores. No Gráfico 1, observamos a relação do PS (neste caso, considerando os partos do ano de 2020, que foi o período avaliado pelo IILB-9) com as faixas de nota geral. Conforme as faixas de nota aumentam, são reduzidos os períodos de serviço médios. A pontuação do IILB vai de 0 a 10 pontos e a nota média geral, no IILB-9, foi de 4,5 pontos.
ECC ao parto x PS
Do total de partos passíveis de análise, cerca de 25 mil possuíam a informação de ECC associada (9% do total). Para selecionar os rebanhos para os quais os partos seriam analisados, foram aplicados os critérios destacados no Quadro 1. O critério 5, em especial, descartou dados de rebanhos nos quais praticamente a totalidade dos ECC informados era muito similar. Foram, então, avaliados 5.851 partos de 22 rebanhos.
É possível imaginar rebanhos extremamente homogêneos, mas, como o intuito foi avaliar o impacto da variação do ECC no PS, conjuntos de dados com esta natureza foram descartados, inclusive por serem possíveis indicativos de lançamento por médias de grupo. Vale aqui destacar que o lançamento do ECC, ainda que seja opcional, merece mais atenção por parte dos usuários do sistema de gestão Ideagri, base para o IILB. Ainda que, para fins da análise apresentada, o volume de dados seja bastante significativo, chama a atenção o volume de usuários que não registram a informação ou não o fazem de forma sistemática. Como o ECC, em última instância, é o reflexo de muitos manejos importantes aos quais as matrizes são submetidas e impacta em resultados importantes, há que se considerar o registro adequado do dado, que permitirá análises e decisões, com impacto na rentabilidade do sistema de produção.
No universo de 5.851 partos avaliados, em um período de três anos, 62,73% ocorreram na faixa de escore considerada desejável pela literatura (entre 2,75 e 3,25), 13,65% ocorreram com ECC inferior ao desejado (até 2,5) e 23,62% com ECC acima do desejado (3,5 e acima; Gráfico 2).
O escore médio dos partos ocorridos na primeira faixa – até 2,5 – foi de 2,375; o da faixa intermediária – 2,75 a 3,25 – foi de 2,985 e o da última faixa – 3,5 e acima – foi de 3,698.
Matrizes que parem e iniciam a lactação com escores mais baixo poderão ter mais desafios para atender sua demanda nutricional para a produção de leite e iniciar o novo ciclo reprodutivo. A diferença em dias entre o PS da faixa de ECC mais baixa para a intermediária foi de 8 dias a mais (91 dias na faixa intermediária e 99 dias na faixa de ECC mais baixa; Gráfico 3). Vale destacar que, além do atraso no PS, pode haver consequências na produção da matriz, não contempladas nesta análise.
Matrizes que parem e iniciam a lactação com ECC mais altos podem apresentar problemas metabólicos no pós-parto, tal como esteatose hepática
(fígado gorduroso). Vacas com muita gordura acumulada no fígado podem ter comprometimento na produção de leite futura e em sua capacidade de resposta imune. Além disso, partos ocorridos com escores elevados podem causar aumento de beta-hidroxibutirato (corpo cetônico), o que pode levar à ocorrência de cetose.
A diferença em dias entre o PS da faixa de ECC mais alta para a intermediária foi de 6 dias a mais (91 dias na faixa intermediária e 97 dias na faixa de ECC mais alta; Gráfico 3). Vacas parindo com ECC mais alto terão balanço energético negativo mais intenso, ou seja, ainda mais negativo. Devemos destacar que vacas com ECC ideal também terão balanço energético negativo, no entanto, em uma intensidade menor.
Se você deixar a matriz parir gorda e, no caso das vacas, não formular dieta adequada para o período de transição, ela poderá demorar mais para emprenhar. Ainda que não tenha sido objeto deste levantamento, outros estudos apontam que a vaca pode, ainda, produzir menos leite no pico e ter mais problemas de saúde.
Fazer um planejamento alimentar adequado, desde o final da lactação anterior, no caso de vacas, com foco também no período de transição, é uma boa estratégia para obter o ECC ideal para o momento do parto, evitando que as matrizes estejam muito magras ou muito gordas, ou seja, como no dito popular ‘Nem tanto ao mar, nem tanto à terra’, mas no ponto ideal!
Escrito por: Heloise Duarte (COO Ideagri) e Polyana Pizzi Rotta (Professora Adjunta da UFV)
Fonte: Coluna IILB Revista Leite Integral / 15 de maio de 2021