Nova abordagem para cura da mastite
01 de dezembro, 2021
A mastite é comum e grave em fazendas leiteiras de todo o mundo, afetando a saúde das vacas, a produção de leite e os lucros dos produtores. “Durante o século passado, avanços significativos para controlar a mastite foram feitos”, explicam os cientistas do ICAR (Indian Veterinary Research Institute), na Índia, que publicaram uma visão geral desses avanços em fevereiro de 2021. No entanto, eles acrescentam que a “mastite é uma doença complicada e continua sendo um dos principais problemas na pecuária de leite.”
Esses cientistas revisaram as abordagens para controlar e tratar a mastite, incluindo seleção genética, nutrição (antioxidantes, oligoelementos, vitaminas específicas) e terapia para vacas secas ou lactantes (antibióticos durante o período seco ou a lactação). Outros procedimentos, como selantes internos de teto em combinação com antibióticos, também mostraram algum sucesso no tratamento da doença. Além disso, a pulsoterapia acústica representa uma abordagem promissora.
Em geral, são os antibióticos que veterinários e produtores de leite usam para tratar a mastite. Mas, embora eles funcionem, as vacas tratadas devem ter o leite descartado por um período de tempo, para evitar a contaminação de todo o suprimento de leite com resíduos. Os antibióticos também não fazem nada para reparar os danos aos tecidos causados pela infecção.
E, com a resistência bacteriana aos antibióticos crescendo a cada ano, é fundamental que uma nova solução seja encontrada para tratar a mastite. De fato, os cientistas indianos dizem: “Um agente terapêutico universal ou técnica que possa ser considerada um substituto para a terapia antibiótica é a necessidade deste século!”
Abordagem nova
Esse substituto potencial dos antibióticos para tratar a mastite está sendo desenvolvido pela Dra. Gerlinde Van de Walle, no Instituto Baker para Saúde Animal da Universidade Cornell, em Nova York (EUA). Essa abordagem está gerando muita empolgação, não apenas por seu potencial de substituir ou melhorar o uso dos antibióticos, mas também por ser um tratamento natural, derivado do próprio organismo da vaca.
Em resumo, Van de Walle e sua equipe estão explorando como os compostos secretados por células-tronco do tecido mamário bovino podem ser usados para matar a bactéria que causa a mastite. Também foi demonstrado que esses compostos curam os danos ao tecido da glândula mamária que os patógenos causam durante a infecção. Isso é muito empolgante porque pode permitir que os níveis de produção de leite se recuperem, talvez até aos níveis anteriores à ocorrência da infecção. A abordagem está gerando grande interesse porque pode ser aplicável a outras doenças também.
A pesquisa está sendo realizada em colaboração com a empresa de saúde animal Elanco. O financiamento da pesquisa está sendo fornecido pela Elanco, pela Foundation for Food and Agriculture Research (FFAR) e pelo New York Farm Viability Institute (NYFVI), uma organização sem fins lucrativos que apóia pesquisas para tornar as fazendas no estado de Nova Iorque mais lucrativas.
Sobre o estudo, David Grusenmeyer – diretor executivo da NYFVI – declarou recentemente: “Esta é provavelmente a abordagem de tratamento mais inovadora para mastite que já vi em minha carreira”.
Origens da pesquisa
Em um estudo publicado em 2018, a Dra. Van de Walle e o Dr. Daryl Nydam – professor de medicina populacional e ciências diagnósticas em Cornell – investigaram o “secretoma” mamário bovino; ou seja, todos os compostos secretados por células-tronco adultas no tecido mamário. Eles descobriram que o secretoma pode matar bactérias e prevenir danos de toxinas bacterianas. Também se concluiu que os compostos do secretoma promovem a cura por meio do “crescimento dos vasos sanguíneos e do recrutamento de novas células”.
Além disso, a equipe descobriu que o secretoma tinha mais eficácia contra toxinas produzidas por bactérias gram-negativas. Isso pode ser importante em termos da abordagem do secretoma como um complemento à terapia antibiótica (se não uma substituição completa). Bactérias gram-positivas e gram-negativas podem causar mastite, mas os antibióticos atualmente aprovados nos Estados Unidos são mais eficazes contra bactérias gram-positivas.
Van de Walle observa que, nos últimos anos, tem aumentado o interesse pelos fatores bioativos secretados pelas células-tronco humanas. Mas, ela diz: “Não se sabia muito sobre fatores bioativos secretados por células-tronco de animais domesticados. Especialmente, quando foi descoberto que fatores bioativos secretados por células-tronco também têm propriedades antimicrobianas, além de propriedades regenerativas e imunomoduladoras, isso realmente abre um novo e excitante caminho de exploração dos segredos dessas células-tronco para muitas doenças”.
Experimentos atuais
Van de Walle observa que o secretoma é uma rica mistura de muitos componentes diferentes que têm atividades diferentes. “Começaremos primeiro com o secretoma como um todo e poderemos, então, trabalhar a partir daí para identificar quais componentes estão presentes, usando análises como proteômica, metabolômica, etc.”, diz ela, “e confirmar quais desses componentes têm um efeito bioativo in vitro no laboratório primeiro e então, eventualmente, explorar seus efeitos em vacas também.”
Quando isso estiver feito, a equipe planeja tratar vacas com mastite usando o secretoma todo e/ou, talvez, alguns de seus componentes. Mas, ainda não se sabe quão difícil será para isolar os vários componentes. Isso permitirá que os cientistas identifiquem exatamente quais compostos são responsáveis, por exemplo, pelos efeitos benéficos, em quais concentrações, sozinhos ou em misturas.
As vacas serão observadas quanto aos efeitos benéficos, tais como: sinais de cura e regeneração do tecido mamário, mudanças no sistema imunológico que podem ajudar a combater uma infecção por mastite e, talvez, aumento na produção de leite. No entanto, embora ela tenha feito pesquisas com outras espécies, Van de Walle ainda não pode especular sobre quão acentuados serão os efeitos benéficos.
Caso o tratamento se mostre eficaz e o desenvolvimento de um produto de tratamento comercializável ocorra, as células-tronco precisam ser cultivadas em grande escala. Além disso, métodos eficientes de obtenção do secretoma precisarão ser criados, junto com uma maneira de segregar componentes individuais conforme necessário. “Existem muitas opções para explorar”, diz Van de Walle. “Isolar os compostos secretados das células-tronco diretamente ou sintetizar fatores bioativos específicos são definitivamente possibilidades. O principal fator quando se pensa em comercialização é que teremos que entregar um produto que seja economicamente acessível, comparável em preço ao que está atualmente disponível ao mercado”.
Outros projetos para a pecuária de leite
O NYFVI está atualmente financiando 2 outros projetos para o setor. Um deles é ajudar os produtores a usar a estimulação pré-ordenha automatizada, disponível com os sistemas convencionais de ordenha (e amplamente usados em outros países). O outro é o desenvolvimento do MyCow$, uma nova ferramenta para melhorar a tomada de decisões em fazendas de leite, por meio da estimativa de lucratividade em tempo real. Ambos os projetos envolvem também pesquisadores da Cornell University.
Olhando para o futuro
Olhando para o futuro, os cientistas do ICAR pedem mais pesquisas em estratégias terapêuticas avançadas para tratar a mastite, como bacteriocinas e tecnologia de nanopartículas. Além disso, eles enfatizam que "as técnicas de diagnóstico e modalidades de tratamento devem ser desenvolvidas lado a lado para que o diagnóstico precoce, no nível da fazenda, possa ser feito com precisão, o que então pode ser combinado com terapia específica".
Em termos de avanços diagnósticos, uma nova abordagem está sendo investigada na Irlanda, pelo Institute for Global Food Security, da Queen’s University, em parceria com a AgriSearch e o Agri-Food & Biosciences Institute. Isso envolverá o uso de espectrometria de massa para desenvolver um método de diagnóstico rápido usando uma amostra de leite suspeita. O método poderia ser desenvolvido em um teste no local, o que permitiria um tratamento mais rápido e recuperação da vaca.
Fonte: Dairy Global
Traduzido e adaptado pela Equipe do Canal do Leite
Foto em destaque: Dra. Gerlinde Van de Walle (esquerda) e Rebecca Harman (direita), auxiliary de pesquisa, no laboratório do Baker Institute (por Rachel Philipson)