O inesquecível ano de 2023 e as margens financeiras na cadeia produtiva do leite

O inesquecível ano de 2023 e as margens financeiras na cadeia produtiva do leite

21 de julho, 2024

Escrito por Alziro Vasconcelos Carneiro, Paulo do Carmo Martins, Manuela Sampaio Lana e Samuel José de Magalhães Oliveira.

 

O ano de 2023 foi improvável. Terminou como ninguém previu. Imensa amplitude de variação de preços recebidos pelos produtores, como há décadas não se via. Importações recordes. Aumento da velocidade de saída de produtores do setor leiteiro. Laticínios argentinos e uruguaios ganhando espaço no varejo do Nordeste, a principal região importadora de lácteos do país. Endividamento dos produtores... Afinal, será que 2023, o ano do pesadelo, efetivamente já terminou?

O ano de 2022 deixou para 2023, como legado, margens bastante favoráveis para os produtores de leite, que chegaram a receber o valor recorde e insustentável de US$ 0,80 por litro. Isso desencadeou dois movimentos simultâneos, que erodiram as margens financeiras desta categoria em 2023, ou seja, a diferença entre a receita e a despesa, como será aqui mostrado.

Por um lado, houve substancial estímulo às importações, que encontraram a Argentina e o Uruguai com os menores preços do mundo, num momento em que a China havia decidido comprar menos leite no mercado internacional. Por outro lado, os consumidores brasileiros rejeitaram os elevados preços dos lácteos, retraindo substancialmente a demanda.

Foi assim que se formou a tempestade perfeita para os produtores de leite. Já a indústria e o varejo, representado principalmente pelos supermercados, estavam com margens financeiras menores desde 2019. Este cenário desfavorável foi intensificado no ápice da pandemia, mesmo com o consumo indulgente de doce de leite, queijos e leite condensado.

Mas, em 2023, como será mostrado, a situação se modificou. O objetivo desta análise foi procurar estimular a reflexão sobre os ganhos e as perdas de margens financeiras entre os elos que compõem a cadeia produtiva, considerando produção, processamento e varejo. Considera, também, o comportamento de preços ao consumidor.

O Gráfico 1 apresenta a evolução de três indicadores importantes para aferir o impacto dos preços no bolso do consumidor. O IPCA – Índice Geral é a medida oficial da inflação brasileira e permite avaliar a variação do custo de vida ao retratar bens e serviços de toda espécie adquirido pelas famílias. O IPCA – Alimentação e bebidas retrata somente a variação do custo dos alimentos adquiridos para consumo dentro e fora de casa. Já o IPCA – Leite e derivados apresenta a variação de preços desta categoria.

VARIAÇÃO DE PREÇO DOS ALIMENTOS EM 2023 FOI DE 1%, CONTRA 4,6% DE INFLAÇÃO

Estes índices são calculados pelo IBGE e retratam a variação de preços no varejo. Para que fosse possível uma comparação entre os dados, neste e nos demais gráficos foram construídos índices numa mesma base, tendo como referência o mês de dezembro de 2022. Eles cobrem o período que vai até dezembro de 2023.

Os índices demonstram que, em somente em quatro meses de 2023, foi mais caro adquirir alimentos em relação a dezembro de 2022. Além disso, este segmento deu uma significativa contribuição para que a inflação fosse bem-comportada no ano passado, já que em nenhum dos meses a superou. Ao contrário, a variação do preço dos alimentos foi de 1% no acumulado do ano contra 4,6% de inflação.

Já os preços dos produtos que compõem o índice Leite e Derivados tiveram forte amplitude de variação. Subiram em zigue-zague até maio, com variação acumulada de 6,8%, impactando sobremaneira a inflação. Todavia, a partir daí os preços começaram a cair de modo vertiginoso e fecham o ano com deflação de 3%, contribuindo, no outro extremo, para inflação abaixo do esperado para 2023.

O Gráfico 2 apresenta a variação de preços do leite recebidos pelo produtor, que teve como fonte o Cepea/USP. Este gráfico especificamente mostra a capacidade de geração de receita na atividade leiteira. Já o gráfico do IPCA – Índice Geral mostra a variação do custo de vida das famílias, o que inclui aquelas que produzem leite. O que os gráficos revelam é que ocorreram dois momentos distintos no que se referem ao comportamento dos preços recebidos pelo produtor, em 2023.

Durante todo o primeiro semestre, os produtores receberam preços mensais maiores que os praticados em dezembro de 2022 e chegaram, em abril, a acumular alta de 14,9%. Mas, a partir daí, os preços caíram vertiginosamente e, em outubro, chegaram a ser 78% do valor praticado em dezembro de 2022. O produtor, em dezembro de 2023, fechou o ano recebendo 80,6% do que recebeu no último mês do ano anterior, enquanto o custo de vida cresceu 4,6% em igual período.

 O Gráfico 3 permite verificar o que aconteceu com as margens financeiras do produtor de leite em 2023. A variação de custos está representada pelo ICPLeite/Embrapa, que revela três períodos distintos. No primeiro trimestre do ano, os custos de produção cresceram 1,4%. A partir daí, os custos caíram até agosto e atingiram 95,5% do verificado em dezembro de 2022. No último quadrimestre do ano voltaram a crescer levemente, mas fecharam dezembro custando 0,9% a menos que no mesmo mês do ano anterior.

IMPORTAÇÃO RECORDE DESTRUIU GANHOS CRIANDO UM AMBIENTE DE FRUSTAÇÃO

Com a importação recorde ocorrida no ano, os ganhos excepcionais nas margens financeiras foram destruídos, criando um ambiente de frustração. A variação bem-comportada da curva de custos foi muito diferente da curva de preços, levando a margens financeiras extremas para o produtor no primeiro semestre, que experimentou momentos de grande satisfação, especialmente em abril de 2023. Mas, amargou momentos muito difíceis a partir de julho de 2023. Vale registrar que os momentos de variação positiva de preços recebidos foram suplantados, em número de meses e em intensidade, pelos momentos de variação negativa.

O Gráfico 4 mostra o comportamento de preços praticados para o Leite UHT, no varejo e atacado bem como o preço recebido pelos produtores. Fica evidenciado que todos os três segmentos tiveram momentos de ascensão no primeiro semestre, sendo que os preços recebidos pelos produtores foram os primeiros a cair, seguido dos preços praticados pela indústria. O varejo foi o último segmento a reduzir preços, um comportamento esperado. A lógica de transmissão de preços leva a este comportamento típico.

Por outro lado, no período de crescimento de preços, as margens da indústria ficaram bastante apertadas e as do varejo, favorecidas. No segundo momento, quando ocorreu a descida de preços, a situação se inverteu, com o setor industrial recuperando margens e o varejo vendo suas margens se estreitarem.

Os resultados obtidos, complementados por texto similar publicado pelos autores no Anuário Leite 2023, demonstram que o setor lácteo forçou o crescimento da inflação no primeiro semestre do ano em 2023, período em que os custos estavam em queda. Com margens financeiras atrativas, desde 2022, muitos produtores contraíram dívidas para investimentos. Com a importação recorde ocorrida no ano, os ganhos excepcionais nas margens financeiras foram destruídos, criando um ambiente de frustração.

Para a indústria e o varejo, situação inversa ocorreu, com a recuperação de margens em relação ao período de 2019 a 2023, em que as margens ficaram menores, conforme o Anuário Leite 2022. Os dados obtidos não sinalizam um cenário em que seja possível antever em que patamar as margens financeiras se estacionarão em 2024.

 

Fonte: Embrapa - Anuário Leite 2024

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