Marcelo de Paula Xavier
Editor do Canal do Leite, Administrador de Empresas e Mestre em Agronegócios
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BERRETTA: Um touro que mudou a raça Jersey
06 de outubro, 2024
Escrito por Marcelo de Paula Xavier, M.Sc.*
Deixe de lado os padrões tradicionais da grandeza de um touro: sua Capacidade Prevista de Transmissão (PTA), o número de suas filhas Excelentes ou líderes de produção, bem como quantos filhos comprovadamente superiores ele produz. Estas são apenas medidas do progresso da raça. Mudança é algo bem diferente!
Considere, em vez disso, o equilíbrio proteína-gordura no leite Jersey, a mentalidade dos criadores sobre tipo funcional, regras de comercialização internacional e o valor inerente da identificação formal. Nesses quesitos, a raça Jersey foi mudada pelo touro MASON BOOMER SOONER BERRETTA (foto abaixo).
Decisões comuns que produziram um resultado extraordinário
BERRETA foi gerado pelo touro SOLDIERBOY BOOMER SOONER OF CJF em acasalamento com a vaca OSB E SETTLER SHADOW MAGGIE. Mas, na verdade, ele é fruto de um simples objetivo perseguido por três produtores americanos do estado de Idaho: ganhar mais dinheiro vendendo leite Jersey.
As seleções genéticas que produziram MAGGIE (a mãe do BERRETTA) foram feitas primeiro por George Day, que – com sua esposa Della – operava uma fazenda de leite na cidade de Nampa. Depois por Hubert Osborne, que comprou o rebanho inteiro em maio de 1982.
A fazenda da família Day era estritamente comercial, com gado não registrado. Mas, em janeiro de 1975, a Associação Americana do Gado Jersey (AJCA) começou um programa de recuperação genética, o qual possibilitava aos criadores fazerem o registro dos seus animais. Como George usou apenas inseminação artificial por 20 anos e Della era muito organizada nas suas anotações, em meados de abril, todo o rebanho foi registrado.
Entre os animais da fazenda, havia uma filha do touro S.S. QUICKSILVER OF FALLNEVA com uma vaca classificada MB, filha de CORALADS DREAM BOY. Quando Osborne comprou o rebanho, essa vaca QUICKSILVER (classificada EX), tinha uma produção vitalícia de mais de 60.000 libras de leite, com média de 5,2% de gordura. Ela havia sido inseminada com o touro MS BISHOP REX SHADOW.
A bezerra que nasceu desse cruzamento – SHADOW QUICKSILVER MIRANDA – acabou sendo classificada MB 88 e teve uma produção vitalícia de 65.410 libras de leite, com média de 4,9% de gordura e 4,0% de proteína. Sua primeira filha se tornaria – nada mais, nada menos – que a mãe do BERRETA (genealogia abaixo).
MAGGIE, no entanto, não seria ordenhada por Hubert Osborne. Ele explica que “Bill Mason e alguns outros caras estavam selecionando animais para o Idaho State Sale de 1986...então Bill viu aquela novilha e pediu para tê-la no leilão. Eu disse ‘claro’, sem perceber o que eu tinha feito até olhar o seu pedigree”.
Mason comenta que gostou dos pés e pernas da novilha, bem como de sua correção total. “Ela era a novilha mais 'brilhante' sem ser gorda. Ela era ‘indisciplinada’ e tinha um chifre grande". Seu filho (Dave Mason) estava preparando os animais para o leilão e também gostou dela. "Dave a comprou e nós cortamos o chifre”.
“Ele pagou talvez US$ 800 por ela, não me lembro ao certo”, diz Hubert Osborne. Mas, foi uma pechincha!”
MAGGIE foi mesmo um animal especial. Bill Mason lembra que ela rapidamente se tornou “a melhor vaca do seu rebanho. Ela era uma vaca esperta e ‘comilona’ no cocho”.
Na verdade, ela estava se desenvolvendo nos moldes de sua mãe e avó materna, cujas avaliações de tipo funcional desenhavam um quadro de vacas grandes e fortes, que também eram extremamente leiteiras, com úberes traseiros altos e largos, ligamentos fortes e colocação de tetos mais próxima do que a média.
A Select Sires se interessou em ter um filho de SOONER
No início de sua carreira na Select Sires, Jeff Ziegler conheceu Bill Mason em uma viagem de trabalho a Idaho. Alguns anos mais tarde, ele encontrou Mason novamente, desta vez já como analista de touros Jersey da empresa. “Bill me deu uma folha com o controle leiteiro da MAGGIE. Ela estava inseminada com SOONER que, naquela época, era um touro extremamente leiteiro e muito alto para proteína...mas não tão bom em gordura", lembra Ziegler.
Alguns anos se passaram e, quando nasceu o BERRETTA, ele negociou sua compra para Select Sires. "Bill me ligou em setembro de 1989”, para oferecer o touro, “ele me pediu um preço e eu disse ‘vendido’”. Ele era um dos primeiros filhos de SOONER, que estava em alta na época.
MAGGIE, por sua vez, tinha acabado de fazer o novo recorde no Campeonato Nacional de Proteína: 29.720 libras de leite, 4,3% de gordura e 4,0% de proteína. Classificada EX 91, ela estava parida há pouco mais de duas semanas. Ziegler conta que "ela estava magnífica" no dia em que estiveram lá para vê-la. "Ela merecia cada parte de sua pontuação final!"
Sete meses depois disso, ela teve sua classificação elevada para EX 93 e – mais tarde, em 1991 – elevada para EX 95. Por um tempo, ela cedeu sua coroa de campeã de produção proteína para uma companheira de rebanho. Mas, em 1992, voltou a capturá-la com seu terceiro recorde de produção de proteína: 31.790 libras de leite, com 4,4% de gordura e 4,3% de proteína. Com sua próxima marca, ela se tornou a primeira vaca Jersey a produzir quatro recordes consecutivos de proteína acima de 1.000 libras.
Um touro com tipo um pouco diferente dos padrões
Ziegler comenta que ele viu as primeiras filhas do BERRETTA na fazenda de Tom Cooperrider, em Ohio. "Minhas impressões iniciais foram de que essas vacas pariram muito jovens e eram pequenas na época. Pareciam que dariam muito leite, com úberes traseiros bonitos e bom ligamento. A colocação dos tetos era boa e os úberes anteriores eram ‘terrivelmente’ redondos”.
Quando saiu a sua primeira prova, em julho de 1993, BERRETTA tinha 16 filhas em seu sumário de tipo e 21 em seu sumário de produção. Ele rapidamente acabou se tornando o touro com melhor Índice de Tipo de Produção (PTI) dos Estados Unidos. O número de filhas e rebanhos aumentou a uma taxa surpreendente nas próximas provas, desacelerando somente em julho de 1995.
Jeff Ziegler e Bill Mason concordam que foi um caso de ter o produto certo para o mercado e no momento certo. "O cenário estava pronto para ele", diz Mason. "Ele era o touro que se encaixava na necessidade. A raça tinha muita gordura e pouca proteína. Ele corrigiu o equilíbrio".
Além disso, Ziegler ressalta que "ele saltou tão alto em relação ao resto do grupo e ficou no centro das atenções por tanto tempo, que os criadores não podiam fazer nada além usá-lo". E a maioria dos criadores americanos usou.
Em fevereiro de 1997, veio uma onda com suas filhas de segunda safra e isto mais que dobrou os números em sua prova. Nos quatro anos seguintes, cada novo sumário adicionou de 900 a 1.000 filhas à sua prova, com o maior aumento de todos sendo de 4.517 filhas em 776 rebanhos, ocorrido em maio de 2001.
BERRETTA tem mais filhas testadas do que seu pai, o grande SOONER, o qual foi o líder anterior na raça Jerrsey, com 20.558 filhas em 2.218 rebanhos. Ele simplesmente não podia ser ignorado pelo padrão de sua progênie e sua notável consistência. Conforme Ziegler explica, ele gerou descendentes com pés muito bons e boa colocação de tetos, "que era uma necessidade para a raça". Não obstante, ele ressalta que “suas filhas mostraram consistentemente que precisavam de capacidade corporal e profundidade de costela".
Desta forma, BERRETTA mudou a compreensão da indústria sobre as características de tipo para a raça Jersey, particularmente úbere anterior. "Ele ensinou muitas coisas a muitas pessoas sobre como uma vaca que não tem tanto corpo, tem um pouco mais de aparência arredondada no úbere anterior, ainda pode ser tão produtiva e durar tanto tempo”.
“Ele também nos ensinou que elas não precisam ser todas vacas enormes, profundas, largas e estruturadas logo de cara para serem muito, muito lucrativas. É incrível a quantidade de leite que você pode tirar de um úbere que ainda está tão alto acima do jarrete, quando ele tem tanta largura”.
Uma mudança nas regras de comercialização de sêmen
É bem sabido que BERRETTA testou positivo para a doença "língua azul". Mas ele não teve o mesmo destino de seu irmão mais velho, filho de HIGHLAND MAGIC DUNCAN, que foi rejeitado na indústria de IA pelo mesmo motivo. "Nós o levamos de qualquer maneira, porque tínhamos as instalações em Cache Valley [em Utah]", observa Ziegler.
Depois que ele foi provado, "frustrou nossa equipe de marketing que não podíamos comercializá-lo internacionalmente. No entanto, a demanda foi muito boa aqui [nos EUA]. Mas com o passar do tempo, houve uma capacidade de comercializar mais em outros países".
Como os criadores de Jersey ao redor do mundo queriam o sêmen, as regras mudaram. "Fizemos algumas remodelações nas instalações, para que pudéssemos coletá-lo, durante um período em que poderíamos isolá-lo em um barracão e fazer alguns testes especializados no touro e no sêmen. Foi assim que fornecemos sêmen para a Austrália, Nova Zelândia e Canadá, entre outros", conclui Ziegler.
BERRETTA acabou se tornando uma força dominante na genética da raça Jersey internacionalmente. Uma boa parte do seu sêmen foi exportada para países onde programas de controle leiteiro e avaliação de tipo são escassos. Mesmo sem esses dados concretos, os criadores sabem que ele fez a diferença em seus resultados e em seus rebanhos.
As novas gerações
Devido às restrições de importação de sêmen, o impacto no Canadá não foi tanto do próprio BERRETTA, mas dos seus filhos criados naquele país. ROCK ELLA PERIMITER-ET e ROCK ELLA PARANMOUNT-ET, por exemplo, filhos da lendária DUCAN BELLE. Muitas filhas desses touros figuraram, por bastante tempo, na lista das melhores vacas canadenses por LPI (Lifetime Performance Index).
Assim, BERRETTA se tornou uma escolha imediata como reprodutor superior na raça Jersey. As melhores de suas filhas também foram escolhidas para acasalamentos por contrato com empresas de IA. E mesmo com ele permanecendo no topo da lista de PTI, a questão era: quem tiraria ele do topo? Seria um dos seus filhos?
Em novembro de 1998, BARBS MBSB DECLO, um touro criado pelos pais de David Mason e provado pela Select Sires, sucedeu seu progenitor. Desde então, quatro outros filhos de BERRETTA reivindicaram o primeiro lugar no ranking de Índice de Tipo de Produção (PTI). Além disso, mais vacas excepcionais surgiram do BERRETTA, em mais rebanhos diferentes, do que qualquer reprodutor Jersey antes dele. Isso gerou grandes vendas nos leilões da raça nos Estados Unidos.
“Chegou a um ponto em que tudo o que você precisava fazer era dizer 'BERRETA’”, lembra Neal Smith, então gerente do Jersey Marketing Service e atual Secretário Executivo da AJCA. “O nível de confiança que as pessoas tinham em suas filhas era muito alto, por causa do padrão de tipo consistente e da produção consistente...Era tão alto que as pessoas comprariam filhas do BERRETTA em vez de qualquer outra coisa. As pessoas ligavam para fazer um pedido e diziam: ‘Quero comprar todas as filhas que você encontrar'".
O legado BERRETTA
MASON BOOMER SOONER BERRETTA levou a raça a Jersey a um novo nível, porque os criadores de todo o mundo puderam utilizar sua genética, independentemente do ambiente, do rebanho ou das práticas de manejo, e ter sucesso.
De acordo com Jeff Ziegler, "ele mudou as regras. Ele mudou as mentalidades. Ele mudou [até] os esquemas de criação!
Referências:
Jersey Journal - July 2001
The Dairy Queen
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*Marcelo de Paula Xavier, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil por 2 mandatos consecutivos e atualmente é editor do Canal do Leite.