Marcelo de Paula Xavier


Editor do Canal do Leite, Administrador de Empresas e Mestre em Agronegócios

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Flying Fox ainda governa: O legado genético de um touro Jersey nascido em 1898

29 de novembro, 2025

Escrito por Marcelo de Paula Xavier, M.Sc.*

 

Em junho de 2021, eu já havia escrito uma coluna sobre as linhagens que mais influenciaram a raça Jersey no mundo. Na época, comentei um artigo científico que mostrava a enorme influência de 2 touros nascidos na década de 1950: ADVANCER SLEEPING JESTER e SECRET SIGNAL OBSERVER.

Uma pesquisa recém publicada no Journal of Dairy Science amplia um pouco esse olhar. Os pesquisadores analisaram os pedigrees de todos os touros Jersey com avaliação genética oficial nos EUA e que estavam registrados na NAAB (Associação Americana de Criadores de Animais). Eles rastrearam as linhagens paternas até os anos 1950 e, quando necessário, consultaram bancos de dados da Ilha de Jersey para identificar os ancestrais fundadores.

A principal conclusão é que está havendo uma diminuição, ainda maior, na diversidade das linhagens paternas dos reprodutores Jersey usados em inseminação artificial (IA) nos Estados Unidos.

Flying Fox é o patriarca de quase todos os reprodutores Jersey da atualidade

O estudo mostrou um cenário de forte estreitamento genético no cromossomo Y. A descoberta mais preocupante revela que 98,9% dos reprodutores Jersey nascidos nos anos 2010 descendem apenas dos dois ancestrais mencionados acima: OBSERVER e JESTER. Ainda mais importante: ambas as linhagens são rastreadas até um único touro chamado CHAMPION FLYING FOX (foto abaixo), que é considerado o ancestral paterno comum de praticamente a totalidade dos reprodutores Jersey modernos usados em IA.

Nascido na Ilha de Jersey em 1898, CHAMPION FLYING FOX chamava-se originalmente FLYING FOX 2729 PSHC e era filho de GOLDEN FERN'S LAD com ROSETT 5TH, bicampeã Vaca Longeva na Ilha. Em 1901, ele foi importado para os Estados Unidos por T. S. Cooper. No ano seguinte (1902), o touro foi vendido pelo preço de US$ 7.500,00 (recorde da época), em uma edição do leilão denominado "Cooper Sale".

Essa concentração extrema nas linhagens paternas da raça é resultado direto da adoção massiva de técnicas de inseminação artificial (IA), o que resultou em um número reduzido de touros sendo reproduzidos em larga escala. Assim, a perda de diversidade paterna vem se intensificando ao longo das décadas, especialmente com a expansão do uso da IA. Enquanto na década de 1970 existiam 44 linhagens paternas identificáveis, na década de 2010 restam apenas cinco...e, na prática, duas dominantes.

Os descendentes de SECRET SIGNAL OBSERVER representam 66,1% de todos os reprodutores nascidos nos anos 2010, enquanto os descendentes de ADVANCER SLEEPING JESTER correspondem a 32,8%. Essa dominância criou um cenário preocupante onde outras linhagens históricas (como MARLU MILESTONE) praticamente desapareceram da população reprodutiva moderna.

O nome, o número de identificação, o ano de nascimento e o número de descendentes nascidos na década de 2010 das 5 linhagens modernas norte-americanas do cromossomo Y estão apresentados na Tabela 1. Todas as 5 linhagens remontam sua ancestralidade paterna ao velho patriarca CHAMPION FLYING FOX.

Os 4 touros nascidos na década de 1950 traçam suas linhagens através de seu filho AGATHA'S FLYING FOX; o touro ISDK FYN TVED foi rastreado por meio de outro filho, BOBBY'S SHY FOX. O sêmen de TVED foi importado para os Estados Unidos a partir da Dinamarca e sua linhagem paterna foi rastreada pela Nova Zelândia até a Ilha de Jersey.

Fertilidade e diferenças entre linhagens

A pesquisa também procurou entender se há influência das linhagens na fertilidade dos touros, medida pelo índice Sire Conception Rate (SCR), que indica a capacidade de um touro gerar prenhez quando seu sêmen é usado em IA.

Os dados mostram que existe uma diferença estatisticamente significativa na taxa de concepção entre as duas linhagens dominantes, com os descendentes de OBSERVER apresentando um SCR ligeiramente mais elevado. Porém, essa diferença é pequena (0,30 ponto percentual). Isso indica que pode haver um leve efeito da linhagem paterna na fertilidade, mas não é algo determinante.

As linhagens de OBSERVER podem ser rastreadas através de seus filhos que nasceram em 1960 e 1962, respectivamente:

O aumento recente da linhagem JESTER pode ser atribuído ao seu descendente ISDK Q IMPULS, o qual têm excelente mérito genético para produção de sólidos (gordura + proteína). Nos anos 2010, IMPULS (que nasceu em 1998) tem 545 descendentes e seu filho nascido em 2004 (TOLLENAARS IMPULS LEGAL 233-ET) tem 428 descendentes.

Os descendentes de L.C. STANDARD MASTER e MILESTONE, dos anos 2010, são controlados por membros regionais da NAAB que possuem relativamente poucos touros e parecem ser reprodutores de nicho de mercado. Portanto, uma ou ambas as linhagens podem desaparecer no futuro próximo. No entanto, a presença atual dessas linhagens demonstra o papel importante que unidades menores de IA e criadores individuais com diferentes objetivos de seleção desempenham na melhoria da diversidade genética da raça.

Dos touros não nascidos na América do Norte nos anos 2010, mas com avaliação oficial (mostrados na Tabela Complementar abaixo), 88% podem ser rastreados até OBSERVER, JESTER ou TVED. Quatorze dos 18 touros restantes podem ser rastreados até MAORI BESTMAN, cuja linhagem paterna pode ser rastreada através da Nova Zelândia até a Ilha de Jersey e CHAMPION FLYING FOX em 15 gerações.

Dos 4 reprodutores restantes na Tabela Complementar, 2 foram rastreados até um reprodutor KiwiCross, 1 foi rastreado até um reprodutor Holandês e 1 foi rastreado até um touro australiano chamado LUMEAH EXPECTATION, que nasceu em 1949 e cuja linhagem paterna não se conseguiu rastrear além disso.

Um detalhe interessante é que os reprodutores ADVANCER SLEEPING JESTER e SECRET SIGNAL OBSERVER são relativamente pouco aparentados com a população de fêmeas Jersey, o que ajuda a reduzir problemas de consanguinidade. A maioria dos reprodutores estrangeiros também pode ser rastreada até essas mesmas linhagens dominantes ou a uma terceira linhagem chamada TVED.

Conclusão e Implicações

A adoção massiva de técnicas de IA revolucionou a pecuária leiteira, permitindo que reprodutores de qualidade superior fossem usados em escala nacional e internacional. No entanto, esse avanço teve um custo genético: a redução drástica no número de linhagens paternas. As grandes centrais de IA contribuiram muito para essa concentração, mas pequenas propriedades e criadores independentes ainda mantêm alguma diversidade genética.

Com quase toda a população Jersey derivando de apenas dois ancestrais remotos, existe o risco de que linhagens valiosas desapareçam e que problemas genéticos recessivos se concentrem. Manter a diversidade genética pode ser essencial para garantir a saúde reprodutiva e geral da raça Jersey no longo prazo. Criadores e associações de gado precisam considerar estratégias para preservar diferentes linhagens paternas e garantir a viabilidade futura da raça.

 

Referência: Journal of Dairy Science, Volume 108, Issue 11, November 2025

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*Marcelo de Paula Xavier, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil por 2 mandatos consecutivos e atualmente é editor do Canal do Leite.

 

 

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