Marcelo de Paula Xavier
Editor do Canal do Leite, Administrador de Empresas e Mestre em Agronegócios
canaldoleite@terra.com.br
Oportunidades para o gado Jersey no mercado de corte (beef-on-dairy)
02 de maio, 2024
Escrito por Marcelo de Paula Xavier, M.Sc.*
O Jersey Journal, editado pela Associação Americana do Gado Jersey (AJCA), fez uma matéria interessante mostrando a evolução do chamado “Beef-on-Dairy” nos Estados Unidos. O artigo traz reflexões importantes sobre as oportunidades que este mercado pode gerar para os Jersistas americanos e, por que não, brasileiros.
Para quem não está familiarizado com o termo, “Beef-on-Dairy” é simplesmente o nome dado aos animais cruzados (leite e corte), mais especificamente para o acasalamento de uma vaca de leite com um touro de corte, independentemente das raças envolvidas.
Essa prática começou a ganhar destaque nas últimas décadas, à medida que os produtores de leite americanos buscavam maneiras de diversificar suas operações e maximizar o retorno sobre seus investimentos. Neste aspecto, os cruzamentos resultam em animais que podem ser valiosos para a indústria da carne e agregar uma renda extra aos produtores de leite.
Noções básicas do Beef-on-Dairy
A pecuária leiteira americana é reconhecida mundialmente pelos avanços em termos de produtividade que sempre alcançou, selecionando e gerenciando os rebanhos do país de forma muito profissional. Porém, a manutenção dos estoques de novilhas começou a gerar problemas e uma luz se acendeu no setor. Os produtores passaram a acasalar seletivamente uma parte dos seus rebanhos leiteiros com touros de corte, de modo a criar animais para a indústria da carne dos Estados Unidos.
Além disso, a prática de cruzar as melhores fêmeas com sêmen sexado de leite e as fêmeas de menor valor genético com touros de corte permite que os produtores de leite ordenhem os animais mais produtivos, ao mesmo tempo que melhoram sua base genética e capitalizam no crescente mercado de cruzamentos.
Um benefício de combinar sêmen sexado com um programa de beef-on-dairy é a capacidade de aumentar a taxa de progresso genético, criando novilhas de reposição apenas a partir dos melhores animais. O uso de sêmen de corte em fêmeas de genética inferior – geralmente vacas mais velhas e de alta produção – permite que os produtores mantenham essas vacas por mais tempo sem interromper o progresso do rebanho.
As vacas mais velhas são fenotipicamente melhores hoje, mas – em 2 ou 3 anos – as novilhas e vacas jovens deverão ser melhores. Elas só precisam de tempo para se desenvolver e amadurecer. As vacas mais velhas têm também melhor capacidade para lidar com eventuais dificuldades de parto, reduzindo o estresse do animal e o trabalho na maternidade.
Três fatores principais contribuíram para o rápido aumento dos acasalamentos do beef-on-dairy nos EUA:
1) O aumento da utilização de sêmen sexado, devido à melhora nas taxas de fertilidade e a disponibilidade de apenas sêmen sexado para touros de elite;
2) Custos de criação de novilhas que ultrapassam os preços de venda desses animais no mercado; e
3) A perda de ferramentas como o BST, que forçou os produotores a mudarem as práticas de abate, de modo a manterem os níveis de produção com um rebanho leiteiro mais velho e de maior produção.
“Embora existam bons mercados para bezerros cruzados (corte e leite), o acesso depende muito da localização e do volume”, observou Tyler Boyd, gerente geral da Jerseyland Sires (na Califórnia).
“Em áreas tradicionais de pecuária de leite...pode haver diversas opções de mercado", continuou ele. Mas, dependendo de onde estejam, os produtores de leite americanos podem ter que ser criativos com bezerros de beef-on-dairy. Antes de definir uma estratégia e uma raça para o cruzamento, eles precisam considerar o que faz mais sentido financeiramente para as suas respectivas fazendas.
Vender bezerros recém-nascidos, por exemplo, minimiza o risco, mas exige que o comprador os recolha regularmente e por um preço justo. Bezerros um pouco mais velhos podem permitir que um pequeno produtor explore um mercado local para animais de corte. Bezerros desmamados e animais de recria podem ser a melhor solução para produtores que precisam manter um número mínimo de animais para tornar rentável seu sistema de criação. As fazendas com mais recursos, por sua vez, podem recriar e engordar os animais para o abate ou, ainda, vender cortes de carne bovina diretamente aos consumidores.
De modo geral, o gado de cor preta vende melhor devido à popularidade do “Angus” (independentemente de sua raça real). Para os americanos, novilhos na faixa de 180-280 kg conseguem um preço melhor. Eles têm idade suficiente para passar o caro período de criação, mas são jovens o suficiente para se beneficiarem plenamente do manejo do confinamento. Existem também nichos de mercado para animais alimentados de forma orgânica ou criados sem hormônios.
Considerações sobre touros para cruzamento com Jersey
Quando se trata de escolher uma raça, não existe uma resposta “certa”. “A melhor raça de corte para cruzar com o Jersey é aquela que você poderá comercializar”, resumiu Boyd.
Angus tem sido muito usado para adicionar tamanho e marmoreio e produzir um bezerro Jersey de cor preta. Limousin é conhecido por adicionar músculos à estrutura do Jersey, mas não marmoriza tanto quanto o Angus. Os touros Charolês tornaram-se mais populares à medida que aumentam o tamanho e geram bezerros com pelagem cinza esfumaçada, que são fáceis de distinguir como recém-nascidos. Wagyu encontrou um nicho devido à sua propensão ao marmoreio e à alta valorização da carcaça. Red Wagyu, também conhecido como Akaushi, tem mais caráter de corte e crescimento mais rápido do que Wagyu preto, mas não tem tanta valorização de carcaça.
Ao selecionar um touro específico, é importante considerar as características de maior impacto no seu negócio. Segundo Boyd, “a taxa de concepção é o principal fator, uma vez que o número de serviços por concepção terá o maior impacto tanto no lucro líquido quanto nos dias em aberto. A facilidade de parto e o peso ao nascer vêm em seguida.”
“Para relacionamentos comerciais de longo prazo, há um benefício na seleção de características que beneficiem tanto o produtor de Jersey (taxa de concepção mais alta, menor peso ao nascer e partos mais fáceis) quanto o comprador (peso aos 12 meses, área de olho de lombo e marmoreio). Algum produtor que planeja fazer a recria em sua fazenda também pode querer prestar atenção à docilidade, principalmente se não tiver instalações robustas de manejo para trabalhar com animais cruzados.”
Uma vantagem adicional dos cruzamentos de beef-on-dairy é que os bezerros nascem mais pesados e isto os torna mais resistentes do que os Jerseys puros (devido à gordura corporal extra). Por causa disso, os Jersistas podem esperar taxas de mortalidade de bezerros visivelmente mais baixas quando os bezerros recebem colostro de alta qualidade, são vacinados e recebem um bom abrigo.
Oportunidades para o gado Jersey
Embora o conceito possa agora ser óbvio para os produtores de leite e a indústria do corte já aceite bem os cruzamentos de beef-on-dairy, a prática está ainda em sua infância. Assim, os pecuaristas de leite precisam aprender como criar, alimentar e manejar os animais cruzados, para se posicionarem como fornecedores viáveis de gado para a indústria da carne bovina.
Existem desafios especiais para o gado Jersey (de menor porte). Para terem sucesso, os Jersistas não podem simplesmente replicar a abordagem que os produtores de holandês usam para alimentar e gerir os seus cruzamentos de beef-on-dairy. Tal como acontece com tudo o mais relacionado ao Jersey, é necessário dar atenção especial à criação dos animais cruzados.
Por outro lado, existem grandes oportunidades para a raça, que é conhecida por um marmoreio superior e por render cortes de alta qualidade baseados na maciez, suculência e sabor de sua carne. Fazer cruzamento com animais de corte, tem ainda outras vantagens para os Jersistas, como a alta fertilidade das fêmeas e o baixo valor dos bezerros Jersey.
Animais cruzados são geralmente maiores do que os Jersey puros, então deve-se prestar atenção às datas de parição. Da mesma forma, o uso de sêmen sexado em novilhas leva a partos mais fáceis para animais de primeiro parto porque o bezerro é uma fêmea menor e de raça pura.
O maior desafio na adoção do beef-on-dairy pode ser calcular as necessidades de reposição de novilhas e determinar quantos animais devem ser acasalados com sêmen de corte. Mas, as empresas de IA podem oferecer programas para ajudar os produtores a dimensionar corretamente sua população de novilhas, para reduzir custos e aumentar a lucratividade.
Do ponto de vista genético, o beef-on-dairy combina o melhor dos dois mundos, criando uma situação vantajosa para a indústria da carne bovina, para os consumidores e para o meio ambiente. Trabalhando em conjunto e aprendendo uns com os outros, os produtores de Jersey podem desenvolver um mercado próspero para os seus animais cruzados, tal como fizeram para o seu leite.
____________________________________________________________________________________________________________
*Marcelo de Paula Xavier, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil por 2 mandatos consecutivos e atualmente é editor do Canal do Leite.