Maria Flavia Tavares
Economista, Doutora em Agronegócios, Proprietária da MFT Consultoria
mariaflavia@mftconagro.com.br
A batalha comercial entre China e Estados Unidos afetará o Brasil?
25 de setembro, 2019
Autora: Dra. Maria Flávia Tavares*
Os Estados Unidos vivem uma guerra comercial desde 2018, quando as tarifas da China sobre produtos agrícolas dos EUA entraram em vigor. As tarifas da soja nos EUA aumentaram de 3% para 28%, e as tarifas para a maioria dos produtos suínos dos EUA aumentaram de 12% para 62%. De acordo com o USDA, desde este período as importações da China de produtos dos EUA foram transferidas para produtos de países concorrentes, entre eles o Brasil.
As últimas projeções de 10 anos de oferta e demanda agrícola do USDA mostram perspectivas reduzidas de longo prazo para as exportações de soja e sorgo dos EUA, devido em grande parte às tarifas retaliatórias da China sobre commodities, impostas em 2018. Outro fator que está contribuindo para a diminuição das exportações americanas de soja para a China é a recente disseminação da peste suína africana, que está afetando a produção chinesa de carne de porco e sua demanda por soja e grãos de ração.
A China é uma grande compradora mundial de soja e sorgo e segundo o USDA, em 2017, o país asiático representou mais de 60% das importações globais de soja e sorgo. O rápido crescimento das importações chinesas de sorgo e soja foi um fator que incentivou os produtores americanos a aumentarem a área cultivada dessas culturas nos últimos anos. Nas projeções mais recentes do USDA, espera-se que os retornos líquidos mais baixos na produção de soja, induzam os agricultores dos EUA a transferir a área cultivada da soja para o milho e o trigo.
O Brasil é um grande produtor de milho e vêm aumentando a sua área cultivada nos últimos anos, e segundo dados da CONAB, a safra de grãos brasileira de 2018/19 deve chegar a 240,7 milhões de toneladas. A produção do milho segunda safra deve atingir uma produção recorde de 73,1 milhões de toneladas e, caso as estimativas se confirmem, ocorrerá um acréscimo de 35,6%, em comparação à safra de 2017/18.
Desde os anos 90, o USDA e outras organizações costumam projetar aumentos nas exportações de milho dos EUA para alimentar o crescente rebanho de gado e aves da China. Mas, muitas vezes, essas análises não são claras, devido a estatísticas imprecisas e também pelo sigilo sobre as reservas governamentais do país. Existem poucas informações disponíveis para avaliar os estoques de grãos da China, porque o governo chinês mantém em segredo as suas reservas de commodities.
Mas, segundo os relatórios do USDA, apesar de uma oferta atual aparentemente abundante de milho, há sinais de que a demanda da China por milho poderia superar sua oferta nos próximos anos, uma vez esgotados os estoques, devido a fatores como:
- Os preços do milho na China já são muito mais altos que os preços mundiais, apesar de várias colheitas quase recordes complementadas pelas vendas de reservas do governo.
- A produção animal da China e a produção de amido e álcool à base de milho devem crescer, aumentando ainda mais o consumo de milho.
- Em 2017, o governo chinês apresentou um plano para exigir a mistura de etanol a 10% com a gasolina em todo o país até 2020. Com a tecnologia atual existente no país, esse objetivo só poderia ser alcançado com o uso de grandes volumes de milho doméstico na produção de etanol ou com a importação de etanol.
Estes fatores de aumento da demanda por milho pela China favorecem o Brasil, que poderia exportar mais milho para a China e também exportar etanol, pois as importações chinesas de etanol dos EUA despencaram após a imposição de tarifas em 2018.
A interdependência entre a China, o Brasil e os Estados Unidos no comércio da soja provavelmente continuará por muito tempo, caso ocorra um aumento da demanda da China, mas não há grandes alternativas de fornecedores a curto prazo.
No cenário atual os mercados alternativos para soja norte-americana só poderão absorver uma fração da soja exportada para a China, que existia antes do início das tensões comerciais. Atualmente além do Brasil e dos Estados Unidos, a Argentina é também produtora de soja, além do Paraguai que vêm aumentando a quantidade produzida.
A concentração geográfica do comércio de soja é resultado de fatores diversos e que provavelmente não serão replicados em outros países. Para o Brasil se tornar um grande fornecedor global foram necessárias décadas de trabalho, que tiveram início com a coragem e ambição de povoar o território do Cerrado nos anos sessenta.
Muitos fatores foram necessários como a necessidade de desenvolver cultivares adequados ao clima e solo da região centro-oeste, incentivo ao crédito e insumos, além da construção de uma infraestrutura para as famílias que estavam se estabelecendo, e também para escoar o produto.
Outro fator importante foi a demanda reprimida da China para óleos comestíveis e proteínas para a alimentação animal, sendo um grande impulso para que o governo brasileiro incentivasse as exportações de soja, por meio da Lei Kandir. Neste período, no início dos anos 1990, a China aderiu à OMC, o que contribuiu para a liberalização do comércio mundial e a um amplo crescimento econômico.
Após a adesão da China à OMC, começou a ocorrer uma expansão na capacidade de processamento da soja, além de um crescimento da disponibilidade de capital doméstico, levando a uma expansão ainda maior das empresas chinesas. Durante a década de 1990, os Estados Unidos e o Brasil adotaram políticas agrícolas, que tornaram a produção de soja mais responsiva à demanda do mercado global.
Os principais impactos de curto prazo da tarifa de retaliação da China sobre a soja norte-americana foram a redução da demanda dos EUA e o aumento da dependência chinesa pelo Brasil como fornecedor de soja. Mas, a médio e longo prazo será necessário esperar a movimentação de China e Estados Unidos.
A China poderá transferir as suas importações dos EUA para o Brasil e Argentina, que poderão ter preços mais altos dos compradores chineses e aumentarão a sua produção. Os baixos preços da soja recebidos pelos agricultores americanos, poderiam induzi-los a mudarem as plantações de soja para milho e trigo.
De acordo com o USDA, se a China mantiver sua tarifa sobre a soja norte-americana por um período prolongado, seu crescimento na demanda pelas importações de soja dependeriam da capacidade dos produtores da América Latina em expandir a sua produção. Existem burburinhos no mercado que as autoridades chinesas têm a ambição de substituir as importações de soja dos EUA com importações de soja, outros óleos e refeições de novos fornecedores como Cazaquistão, Rússia e Ucrânia.
Mas, isso são cenas para os próximos capítulos...
_________________________________________________________________________________________________
*Maria Flávia Tavares formada em Ciências Econômicas pela UNESP, tem mestrado em Administração e Política de Recursos Minerais pela UNICAMP e doutorado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como árbitra na Câmara Arbitral da Bolsa Brasileira de Mercadorias. Atualmente, é diretora da MFT Consultoria em Agronegócios onde trabalha com qualificação profissional no Agronegócio. Também elabora estudos de Inteligência de Mercado e Análises Setoriais e conteúdos para cursos EAD. Recebeu o Troféu Destaque Marketing Rural 2013, concedido pela Comissão das Produtoras Rurais da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1129968334019765
Site: www.mftconagro.com.br
Linkedin: www.linkedin.com/in/maria-flavia-tavares