
A crise silenciosa dos pequenos produtores de leite que o Brasil insiste em ignorar
27 de agosto, 2025
A crise silenciosa dos pequenos produtores de leite que o Brasil insiste em ignorar
Por Maurício Santolin
Enquanto grandes segmentos do agronegócio brasileiro avançam com investimentos, tecnologia e ganhos de produtividade, os produtores de leite — especialmente os pequenos — vivem uma crise profunda e silenciosa, marcada por estagnação, abandono e falta de perspectivas. Responsáveis por grande parte do leite produzido no país, esses produtores estão sendo deixados à própria sorte: ignorados por políticas públicas, ameaçados pela escalada de custos e sufocados por um mercado cada vez mais hostil e exigente em termos de escala de produção.
Há mais de uma década, a produção leiteira das pequenas propriedades familiares não apresenta avanços significativos. A maioria desses produtores opera em propriedades com baixa escala, tecnologia limitada pela escassez de recursos financeiros e alta dependência de mão de obra familiar. Ainda assim, por décadas, sustentaram o abastecimento de leite no Brasil. Hoje, muitos estão encerrando suas atividades — segundo estimativas, mais de 200 mil propriedades deixaram de produzir leite nos últimos dez anos. E os que permanecem enfrentam, diariamente, margens negativas, instabilidade na comercialização e a ausência de sucessores interessados em continuar no campo.
A juventude rural, diante da realidade da produção de leite, não vê futuro. Não se trata de falta de vocação, mas de viabilidade: o modelo atual simplesmente não compensa o esforço do pequeno e médio produtor.
Os custos de produção não param de subir. Insumos básicos como ração, suplementos minerais, energia elétrica, mão de obra e serviços técnicos tornaram-se mais caros — um peso enorme para quem já opera no limite. Em contrapartida, o preço pago ao produtor pelo litro de leite é volátil, imprevisível e, em muitos casos, insuficiente até mesmo para cobrir os custos mínimos. Para o pequeno produtor, essa é uma conta que não fecha.
Além disso, o consumo interno também enfrenta desafios. O poder de compra do brasileiro caiu significativamente nos últimos anos, e isso se reflete diretamente na demanda por leite e derivados. Com menos consumo, as indústrias pressionam os preços para baixo — e o elo mais frágil da cadeia, o produtor, é quem arca com as consequências.
Nesse cenário, investir em modernização, ampliação de escala ou automação tornou-se uma necessidade. No entanto, a maioria dos pequenos produtores sequer consegue acessar crédito, seja pela exigência de garantias, seja pelas elevadas taxas de juros. A inadimplência aumenta, e o ambiente econômico desfavorece quem deseja crescer — ou simplesmente sobreviver — na atividade.
O abandono por parte do setor público também pesa. Faltam políticas públicas estruturantes voltadas especificamente à agricultura familiar produtora de leite. A representatividade institucional é fraca, e o setor leiteiro quase não aparece nas principais pautas de desenvolvimento agropecuário nacional.
Para piorar, há uma desarticulação entre os próprios elos da cadeia. Os pequenos produtores, dispersos geograficamente e com baixa organização coletiva, têm dificuldade em fazer sua voz ser ouvida. Enquanto isso, enfrentam pressões externas, como campanhas desinformadas contra o consumo de leite e derivados, que, a cada dia, ganham espaço na opinião pública e enfraquecem ainda mais o setor.
A consequência direta é o abandono progressivo da atividade fora das bacias leiteiras mais estruturadas. Nessas regiões, onde há melhor infraestrutura e apoio técnico, a produção ainda resiste — e cresce. Mas, em boa parte do Brasil, a tendência é clara: os pequenos estão sendo expulsos do jogo.
Nesse contexto, as cooperativas têm desempenhado um papel crucial. Elas seguem como ponto de apoio para muitos produtores, oferecendo acesso a insumos mais baratos, assistência técnica, organização das vendas e maior estabilidade comercial. Não resolvem todos os problemas, mas ajudam a reduzir a vulnerabilidade dos pequenos diante de um mercado cada vez mais concentrado.
Em síntese, o futuro dos pequenos produtores de leite no Brasil está em risco. Sem reformas estruturais, políticas públicas específicas e maior articulação entre os atores da cadeia, a tendência é de retração contínua. O país pode até manter a produção total com grandes players e polos especializados, mas perderá algo fundamental: a base social e econômica da produção leiteira brasileira.
Ignorar essa crise é um erro estratégico — e uma injustiça com aqueles que alavancaram o setor por tanto tempo.