Roney Ramos


Médico Veterinário, Doutor em Reprodução Animal pela USP

roney.ramos@genusplc.com

PUBLICAÇÕES

Perdas gestacionais em gado de leite

21 de outubro, 2019

Autor: Dr. Roney Ramos*, DVM. PhD

 

Perdas gestacionais causam um grande impacto financeiro nas propriedades leiteiras. Porém, a preocupação é, geralmente, com o número de animais que são inicialmente diagnosticados como gestantes mas que não levam a gestação à termo. Na verdade, o problema vai além disso, pois muitos animais apresentam perdas antes mesmo do primeiro diagnóstico de gestação.

É preciso lembrar que a gestação se inicia no momento da fecundação que ocorre em geral no dia seguinte à inseminação e a partir desse momento as perdas gestacionais podem ocorrer até o momento do parto. As perdas ocorridas da concepção até aproximadamente 45 dias são chamadas de perdas embrionárias, após 45 dias são consideradas perdas fetais.

Em condições normais, vacas de alta produção apresentam entre 83 a 88% de taxa de fertilização (esse número é reduzido em períodos de estresse térmico). Porém, o diagnóstico de gestação geralmente é realizado a partir dos 28 dias após a inseminação, sendo que estudos mostram uma taxa de 30 a 43% de morte embrionária inical, ou seja, antes mesmo de as vacas serem diagnosticadas como gestantes. Já as mortes embrionárias tardias (>28 dias) ficam entre 7 e 10%. Segundo Wiltbank et al (2016), de 20 a 50% das vacas de alta produção já tiveram perdas gestacionais durante a primeira semana de gestação. Várias são as causas dessas perdas, entre elas, baixa qualidade embrionária, baixos níveis hormonais como progesterona, baixa qualidade do ambiente uterino, estresse, fatores genéticos entre outros.

Muitos produtores no Brasil e até mesmo nos Estados Unidos têm usado a transferência de embriões no período de estresse térmico para reduzir as perdas causadas tanto pela redução na qualidade dos oócitos quanto pela redução na taxa de fertilização. Nesse caso, os embriões são produzidos em laboratório ou até mesmo in vivo mas no período de inverno e são transferidos no verão. Essa estratégia é muito interessante pelo fato de os oócitos produzidos no inverno serem de melhor qualidade. Além disso, transferir a crítica fase da primeira semana de desenvolvimento embrionário para o período de inverno reduz as chances de perdas inicias e aumenta a taxa de concepção no período de estresse térmico.

As perdas entre 28  e 60 dias também são significativas e oscilam muito de propriedade para propriedade. Porém, resultados publicados mostram uma taxa de 12% de perdas nesse período em um estudo com mais de 20.000 prenhezes de vacas de alta produção. As perdas ocorridas no terceiro mês de gestação já caem drasticamente para ao redor dos 2%.

Outro ponto interessante é o fato de que animais com mastite apresentam uma maior perda de gestações. Estudos mostram que vacas com mastite clínica dentro dos primeiros 45 dias de lactação apresentam 2,7 vezes mais probabilidde de ter perdas gestacionais nos 90 dias seguintes do que as vacas sem mastite clínica.

As perdas gestacionais também podem ser causadas por enfermidades parasitárias ou infecciosas, sendo as principais:

Neosporose: Enfermidade causada pelo protozoário Neospora Caninum pode causar abortos entre o 3° e o 9° mês da gestação bem como infecções neonatais. Propriedades com animais soroprositivos podem apresentar altas taxas de aborto de forma constante ou em surtos. Geralmente, o aborto não é acompanhado de retenção de placenta.

Brucelose: A bactéria Brucella Abortus é responsável pela brucelose em bovinos e afeta os placentomas levando a perda da gestação. Geralmente ocorre na segunda metade da gestação e causa retenção de placenta e metrite e, ocasionalmente esterilidade permanente. A transmissão da bactéria ocorre por contato com fetos abortados, placentas infectadas e descargas uterinas em animais infectados. É importante se considerar que após um ou dois abortos a vaca pode apresentar-se assintomática e continuar a excretar as bactérias, contaminando o ambiente e facilitando a infecção de novilhas. As medidas sanitárias preconizadas pelo programa nacional de erradicação da doença podem ser encontradas em http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sanidade-animal-e-vegetal/saude-animal/programas-de-saude-animal/brucelose-e-tuberculose/tb-4-medidas-sanitarias.pdf

BVD: Causada pelo vírus da Diarreia Viral Bovina, a doença promove uma série de manifestações clínicas, entre elas a infecção fetal em fêmeas prenhes. As consequências da infecção transplacentária depende da fase em que esta ocorre e pode resultar em morte embrionária, aborto, mumificação fetal, natimortos, nascimento de bezerros fracos e inviáveis que morrem em seguida ou apresentam crescimento  retardado, ou nascimento de animais persistentemente infectados, chamados animais PI.

IBR: A rinotraqueíte infecciosa bovina é causada pelo Herpesvírus Bovino tipo 1 e, além da enfermidade respiratória, pode promover outras manifestações clínicas, entre elas, vulvovaginite, infecção sistêmica neonatal e abortos. O aborto pode ocorrer em qualquer período da gestação, principalmente no terço final, frequentemente ocorrendo retenção de placenta. Quando os bezerros sobrevivem a infecção no final da gestação, ou adquirem a infecção durante ou pós parto, podem apresentam a variação sistêmica da doença, sendo esta invariavelmente fatal.

Leptospirose: Enfermidade causada pela bactéria Leptospira spp. Considerada uma frequente causa de abortos, além de infertilidade, subfertilidade, natimortalidade e nascimento de bezerros fracos. A retenção de placenta pode ocorrer dependendo do sorovar envolvido. Uma característica importante da doença à ser considerada pelo produtor é o fato de que bovinos infectados eliminam o agente na urina por um período de tempo variável que pode chegar a mais de um ano, contribuindo para a contaminação do solo e água e facilitando a disseminação da bactéria no rebanho. As bactérias também são eliminadas por descargas uterinas após o aborto e podem persistir no útero de vacas não gestantes por até 97 dias e 142 dias em vacas gestantes.

Devido à característica multifatorial e ao impacto financeiro das perdas gestacionais, é muito importante que os produtores e profissionais da área estejam sempre monitorando esse importante índice reprodutivo. O correto planejamento sanitário e reprodutivo irá reduzir e muito a probabilidade deste ser mais um problema na sua propriedade.

 

Referências

Risco, C.A., G.A. Donovan, and J. Hernandez. (1999). Clinical mastitis associated with abortion in dairy cows. J. Dairy Sci. 82:1684–1689.

Ayres, G.F., Bortoletto, N., Melo Junior, M., Hooper, H.B., Nascimento, M.R.B. de M., & Santos, R.M. (2014). Efeito da estação do ano sobre a taxa de concepção e perda gestacional em vacas leiteiras mestiças. Bioscience Journal, 30(5). http://www.seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/19563

Sartori, R., Bastos, M.R., Wiltbank, M.C. (2009) Factors affecting fertilisation and early embryo quality in single- and superovulated dairy cattle. Reproduction, Fertility and Development 22, 151-158.

Wiltbank et al (2016). Pivotal periods for pregnancy loss during the first trimester of gestation in lactating dairy cows. Theriogenology. Volume 86, Issue 1, Pages 239-253. https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2016.04.037

Walsh, S.W., Williams, E.J., Evans, A.C.O. (2011). A review of the causes of poor fertility in high milk producing dairy cows. Anim Reprod Sci. 123:127–138. doi: 10.1016/j.anireprosci.2010.12.001.

Santos, J.E.P., Thatcher, W.W., Chebel, R.C., Cerri, R.L.A., Galvão, K.N. (2004). The effect of embryonic death rates in cattle on the efficacy of estrus synchronization programs. Anim Reprod Sci. 82–83:513–535. doi: 10.1016/j.anireprosci.2004.04.015.

Nyman, S., Gustafsson, H., Berglund, B. (2018). Extent and pattern of pregnancy losses and progesterone levels during gestation in Swedish Red and Swedish Holstein dairy cows. Acta Vet Scand. 60(1):68. doi:10.1186/s13028-018-0420-6

Riet-Correa, F., Schild, A., Lemos, R.A.A., Borges, J.R.J. Doenças de Ruminantes e Equídeos. 3 Edição. São Paulo: Varela, 2007. Vol. 1, 716 p.

 

_____________________________________________________________________________________________________________

*Dr. Roney Ramos - Médico Veterinário formado pela PUC-RS, Doutor em Reprodução Animal pela USP. Também é Técnico em Pecuária formado pela Escola Estadual Técnica de Agricultura. Entre 2013 e 2014, atuou como pesquisador visitante na Texas A&M Research Center in Amarillo, Texas - EUA, atuando principalmente com o manejo reprodutivo de rebanhos leiteiros em larga escala. Membro da Sociedade Brasileira de Tecnologia de Embriões (SBTE) e da International Embryo Tranfer Society (IETS). Com diversas publicações internacionais é também revisor científico de importantes periódicos como Theriogenology, Animal Reproduction, Gynecological Endocrinology e Cell and Tissue Research. Em 2016, foi premiado pela CAPES como autor de uma das três melhores teses de doutorado defendida em todo o Brasil na área de medicina veterinária. Atualmente é Consultor de Serviços Técnicos na ABS Global (EUA), onde é responsável por fornecer assistência técnica para fazendas de bovinos leiteiros em dez estados norte americanos, focando principalmente nas áreas de Reprodução, manejo e qualidade de leite.

COMPARTILHAR

CONTEÚDOS ESPECIAIS

Proluv
Top