Contrabandistas serão os grandes vencedores do plano de fronteira no Reino Unido

Contrabandistas serão os grandes vencedores do plano de fronteira no Reino Unido

31 de março, 2019

Escrito por Simon Marks e Emmet Livingstone, traduzido por Marcelo de Paula Xavier*, M.Sc.

Disponível em: https://www.politico.eu/article/smugglers-paradise-ireland-no-deal-brexit/

 

A fronteira das Irlandas já foi um paraíso para os contrabandistas. Se o Reino Unido deixar a União Europeia (EU) em um Brexit1 sem acordo - dizem os especialistas - provavelmente será de novo.

O plano de contingência do governo britânico para um "não acordo", divulgado na manhã de quarta-feira, criaria oportunidades atraentes para os contrabandistas, ao impor tarifas elevadas a produtos agrícolas como carne bovina e queijo cheddar, sem um controle na fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte.

"Suponho que isso seja mais um plano teórico do que prático", disse David Henig, diretor do Centro Europeu para Economia Política Internacional. "Eu não posso ver isso sendo de qualquer forma sustentável além de um curto período. Há razões para verificarmos as coisas nas fronteiras".

A medida pretendia proporcionar clareza às empresas e aos consumidores e impedir o retorno ao período anterior ao Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, quando o exército britânico patrulhava as fronteiras entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, bloqueava estradas rurais e lutava contra os contrabandistas.

O Reino Unido disse que o plano seria de natureza temporária, mas ofereceu pouca clareza sobre como seria possível realizar verificações de mercadorias vindas da Irlanda para a Grã-Bretanha.

As mercadorias afetadas variam de produtos agrícolas a veículos motorizados.

"Você está basicamente dizendo 'não vamos checar nada na fronteira entre a Irlanda e o resto do Reino Unido'", disse Henig.

Alguém poderia comprar um carro na Irlanda, atravessar a fronteira para a Irlanda do Norte antes de enviá-lo para a Escócia, driblando a tarifa de 10,6% do Reino Unido em veículos. "Se você não vai colocar alguma coisa para funcionar e verificar as mercadorias que cruzam a fronteira marítima, isso abre todos os tipos de diferenciais", disse Henig.

O plano do Reino Unido colocaria uma tarifa sobre a carne bovina no valor de 53% da taxa da nação mais favorecida da UE, enquanto as tarifas sobre os produtos de aves seriam fixadas em 60% da taxa da nação mais favorecida da UE. Manteiga e queijo cheddar teriam tarifas de 32% e 13% da taxa da nação mais favorecida da UE, respectivamente.

Os fazendeiros da UE, particularmente os da Irlanda, teriam muito mais dificuldade em competir no mercado do Reino Unido sob estes termos. Até 65% das exportações de queijo cheddar da Irlanda vão para o Reino Unido, juntamente com grandes remessas de manteiga e fórmulas infantis. No total, 30% da produção de leite da Irlanda é vendida para o Reino Unido, de acordo com o Bord Bia2, o Comitê Irlandês dos Alimentos. As exportações de alimentos da Irlanda para o Reino Unido representaram 35% do total em 2017.

“Não há nada que impeça isso [contrabando] no momento”, acrescentou Ivor Ferguson, presidente do Sindicato dos Agricultores do Ulster3. "Podemos ver a Irlanda do Norte sendo a porta dos fundos para o principal mercado da Grã-Bretanha".

Os agricultores do Reino Unido e da Irlanda expressaram consternação com os planos de Londres.

O Bord Bia disse que o plano de Londres "seria prejudicial para os agricultores irlandeses e os exportadores agrícolas irlandeses", enquanto a Associação dos Agricultores Irlandeses (IFA) disse que as propostas tarifárias do Reino Unido devastariam as áreas rurais e infligiriam enormes prejuízos ao setor de carne bovina do país.

“Nossos setores mais expostos, particularmente a carne bovina, simplesmente não sobreviverão ao tipo de tarifas que está sendo discutido. Isso teria um efeito devastador na economia rural ”, disse o presidente da IFA, Joe Healy. "Exportamos mais de 50% de nossa carne bovina para o Reino Unido. Se isso estiver sujeito a tarifas, será um" impacto direto "de quase € 800 milhões no setor."

O órgão de comércio do setor leiteiro irlandês (Dairy Industry Ireland) disse que a tarifa sugerida por Londres para o cheddar resultaria em custos adicionais de € 20 milhões por ano. Atualmente, as exportações de cheddar irlandês para o Reino Unido estão bem abaixo dos € 250 milhões em valor.

"Os níveis tarifários propostos são profundamente indesejados, poriam a manteiga irlandesa e o cheddar sob forte pressão nos mercados do Reino Unido...e exigiriam aumentos ao nível do consumidor", disse o órgão.

Embora os produtores agrícolas irlandeses possam tentar exportar para o Reino Unido através da Irlanda do Norte, o Dairy Industry Ireland afirmou que isso não é uma opção, já que os exportadores estariam interessados ​​em manter sua reputação negociando através de canais legais.

Produtores de ovelhas da Irlanda do Norte, que vendem cerca de 400 mil de seus cordeiros todos os anos na República, também poderiam perder. As tarifas adicionadas esmagariam o comércio, disse Ferguson, do Sindicato dos Agricultores de Ulster.

Enquanto isso, os produtores do Reino Unido preocupam-se com as tarifas seletivas que distorcem os mercados e deixam partes da indústria vulneráveis.

Produtos agropecuários sensíveis, como carne e produtos lácteos, serão protegidos, mas cereais, batatas e a maioria das importações de produtos frescos vão enfrentar ausência de barreiras tarifárias e concorrência maciça do exterior, disse Tom Hind, diretor de estratégia do Comitê de Desenvolvimento de Agricultura e Horticultura do Reino Unido. 

"Em termos simples, o mercado de grãos e oleaginosas no Reino Unido estaria aberto a todos os exportadores globais, depois de ver anteriormente proteção contra as tarifas da UE", disse ele. Ele também observou que, embora o cordeiro seja protegido por uma tarifa elevada sob o plano de Londres, ainda enfrentaria a tarifa externa comum da UE em um cenário de não negociação. "Isso vai impactar os fluxos de comércio e a dinâmica do mercado", disse ele.

Minette Batters, presidente do Sindicato Nacional dos Fazendeiros do Reino Unido, disse: "Enquanto estamos aliviados que finalmente podemos ver as tarifas que serão aplicadas em alimentos importados em um cenário de 'não negociação', é terrível que nós só agora tenhamos a oportunidade de fazê-lo - duas semanas antes de entrar em vigor. Os agricultores e as empresas de alimentos não têm tempo para se preparar para as implicações. ”

O Reino Unido também pode enfrentar desafios legais para seus planos, disse Holger Hestermeyer, um revisor em resolução de disputas internacionais do King's College London.

Hestermeyer disse que o plano abriria o Reino Unido para reclamações na Organização Mundial do Comércio, porque quebraria a chamada regra de nação mais favorecida, um princípio que dita que todos os benefícios comerciais especiais fora de um acordo comercial devem ser compartilhados entre todos os outros membros da OMC.

"Diz-se que uma fronteira aberta na Irlanda do Norte será um convite ao contrabando", afirmou ele. "Muito possivelmente, a realidade poderia piorar: encaminhar mercadorias através da fronteira com a Irlanda do Norte poderia - dependendo dos detalhes da política - tornar-se uma alternativa legal ao pagamento de tarifas que seriam devidas em qualquer outro lugar".

Nem todo mundo, no entanto, vê as coisas como sendo tão sombrias quanto os irlandeses estão sugerindo.

"Não tenho tanta certeza de que um Brexit difícil signifique tanto sofrimento para os produtores de carne irlandeses quanto eles gostariam que você pensasse", disse Ben O'Brien, diretor do grupo de comércio Beef + Lamb New Zealand. "É preciso algum tipo de fachada para um Estado-membro da UE reclamar sobre os acordos de acesso a carne de qualquer outra pessoa".

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Notas do tradutor:

1 - No Brexit, uma questão importante amarra as negociações entre os britânicos e o bloco europeu: a fronteira da República da Irlanda com a Irlanda do Norte. A Irlanda do Norte, de maioria protestante, ficou sob controle do Reino Unido, quando a Irlanda - de maioria católica - se tornou independente em 1922, criando uma república. Essa questão historicamente problemática voltou à tona quando Londres decidiu deixar a União Europeia - já que essa não é uma decisão de que a Irlanda do Norte compartilha.

Atualmente, milhares de pessoas atravessam a fronteira irlandesa todos os dias, e bens e serviços passam entre as duas jurisdições sem restrições. Como o Reino Unido e a Irlanda fazem atualmente parte do mercado único da UE e da união aduaneira, os produtos não precisam de ser inspecionados para fins alfandegários e cumprimento de normas, mas - depois do Brexit - isso pode mudar.

2 - O Bord Bia (Irish Food Board) é uma agência estatal irlandesa que tem o objetivo de promover as vendas de alimentos e horticultura irlandeses no exterior e na própria Irlanda. O Bord Bia trabalha para pequenos e grandes produtores. Para os pequenos, promovendo e certificando os mercados dos agricultores. E para os maiores, oferecendo uma grande variedade de serviços de marketing internacional.

3 - O Ulster é uma das quatro províncias históricas ou tradicionais da Irlanda, dividida em nove condados, dos quais seis localizam-se atualmente na Irlanda do Norte e três na República da Irlanda. A província não possui funções administrativas.

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