Guerra, pandemia, bancos, lojas Americanas e o mercado de leite
26 de março, 2023
A instabilidade econômica gerada pela guerra da Rússia e Ucrânia e os efeitos do pico da pandemia está temporariamente minorada, no momento em que estes fenômenos completam um e três anos, respectivamente. Agora as atenções se voltaram para dois novos fenômenos internacionais. Ambos estão relacionados ao ambiente monetário da economia mundial, mas com perspectivas de impactar o setor produtivo de modo decisivo.
Por um lado, há pressões generalizadas para que os bancos centrais subam as taxas de juros nacionais, que, em termos de juros reais (descontado a inflação), estão variando de 0,1% e 2,5% nas principais economias. A justificativa é a necessidade de combater as altas taxas de inflação.
Mas, há pressões em sentido contrário, para que ocorra queda das taxas de juros, frente aos sinais de risco de insolvência bancária, após os casos dos bancos norte-americanos SVB, Signature, Silvergate e First Republic serem atingidos; além do Credit Suisse no mercado europeu, instabilidade motivada pela elevação dos juros reais.
No Brasil, a questão de juros também está em evidência, pela elevada taxa de endividamento (79% das famílias), em meio a prática de juros reais anuais superiores a 6%. Some-se a isso o crash das Lojas Americanas, cujo impacto no setor produtivo e no nível de emprego ainda carece de clareza, a depender das negociações com os principais bancos brasileiros. Juntos, eles têm cerca de R$ 21 bilhões em empréstimos, com aquela tradicional e capilar rede do varejo brasileiro.
Os fenômenos internacionais e nacionais relatados têm potencial de impactar o consumo de leite, que é muito dependente do desempenho da economia, principalmente da taxa de juros, do nível de emprego e do crescimento do PIB.
No âmbito internacional, a oferta de leite dos principais países exportadores ficou relativamente estável em 2022, se comparado com 2021, variando apenas 0,2%. Os preços internacionais para as principais commodities lácteas foram cotadas no GDT em valores similares ao período pré-pandemia, sinalizando um mercado fraco neste início do ano. Além disso, o preço do petróleo vem caindo continuamente no mercado internacional. Vale ressaltar que há forte correlação positiva entre o preço desta commodity e o preço dos lácteos.
No mercado interno, o fenômeno de destaque é o resultado divulgado pelo IBGE, confirmando uma retração de 5% na captação de leite em 2022, o menor volume em seis anos e o segundo ano com queda consecutiva. Somente a região Nordeste mostrou crescimento no volume captado. Entre os seis estados de maior produção, apenas Santa Catarina teve variação anual positiva.
Na outra ponta, no varejo, os preços de Leite e Derivados tem pressionado a inflação, medida pelo IPCA. Em fevereiro, os lácteos tiveram uma variação de 2,4%, três vezes a variação do IPCA, que foi de 0,8%, com destaque para o Leite Longa Vida, que aumentou 4,2%. Em termos anuais, este comportamento altista dos lácteos frente à inflação também se confirma. Enquanto a inflação anual atinge 5,6%, o grupo Leite e Derivados acumula variação de preços de 22,7%.
Considerando este cenário de preços em alta no varejo e preços estáveis no mercado internacional, somado a uma variação bem comportada da taxa de câmbio, com o dólar oscilando pouco em torno de R$ 5,25, os dois primeiros meses do ano resultaram em importação equivalente a 303,6 milhões de litros, ou três vezes o verificado em 2021 para igual período. A exportação caiu para menos da metade, do equivalente a 36,4 milhões de litros, para 17,2 milhões. Com preços médios pagos ao produtor e dos derivados lácteos acima do mercado internacional, é possível que maior volume de importação se mantenha nos próximos meses.
Fonte: Centro de Inteligência do Leite (CILeite/Embrapa)