A neta da vaca que passou calor produz menos?
02 de dezembro, 2024
Sim, produz menos, é o que diz o artigo publicado no Journal of Dairy Science, o principal jornal especializado da área. O estudo foi desenvolvido por Laporta e colaboradores e publicado em 2020.
Os pesquisadores reuniram dados de 9 experimentos realizados entre 2008 e 2018 para responder as seguintes questões: vacas que passam por estresse térmico (calor) durante o período seco (45 dias antes do parto) produzem novilhas com menor capacidade produtiva? E as filhas destas novilhas, ou seja, as netas das vacas “estressadas”, também podem produzir menos em relação àquelas cujas “avós” passaram por um período seco em conforto térmico?
Os tratamentos foram estresse térmico vs. conforto térmico. Um grupo de vacas no pré-parto foi resfriado (ventiladores e aspersores) sempre que a temperatura do free stall fosse maior que 21oC, enquanto o outro grupo não foi resfriado (estresse térmico). A efetividade dos tratamentos foi verificada por meio do monitoramento da frequência respiratória (FR).
O grupo de vacas resfriadas apresentou FR de 51 respirações/minuto enquanto o grupo de vacas em estresse térmico, apresentou média de 77 respirações/minuto (FR acima de 60 é um dos sinais de estresse térmico em vacas leiteiras).
Após o parto destes animais, todas as filhas (fêmeas) foram submetidas ao mesmo manejo (condições ambientais, fornecimento de colostro/leite, acesso a pastagem etc.), independentemente se eram filhas de vacas estressadas ou não. Na puberdade, o conjunto de novilhas foi inseminada, e após o parto, a produção de leite foi mensurada até os 250 dias. A mensuração da produção de leite também foi realizada na 2ª e 3ª lactação.
Do mesmo modo, as bezerras filhas destas novilhas (1ª cria) também foram criadas em condições ambientais iguais, ou seja, independentemente do grupo que suas avós pertenciam (resfriadas ou estressadas pelo calor). Quando estas “netas” pariram pela primeira vez, a produção de leite foi mensurada até os 250 dias de lactação. Esquema ilustrado na Figura 1.
Figura 1 – Ilustração do desenho experimental.
Resultados
Os autores verificaram que as filhas das vacas estressadas produziram em média 2,2; 2,3 e 6,5 kg de leite/dia a menos do que aquelas filhas de vacas resfriadas durante as três primeiras lactações, respectivamente (29,2 vs. 31,4; 34,4 vs. 36,7 e 33,1 vs. 39,6, estresse térmico vs. resfriadas). Em relação as netas, também houve diferença na produção de leite na 1ª lactação (29,9 vs. 31,2 kg/d). Netas de vacas resfriadas produziram em média 1,3 kg de leite a mais por dia nos primeiros 250 dias de lactação (Tabela 1).
Tabela1 – Produção e composição do leite na primeira lactação de netas (F2) de vacas expostas ao resfriamento (CL, acesso a ventiladores, sombra e aspersão) ou ao estresse por calor (HT, apenas acesso à sombra) durante os últimos 46 dias de gestação.
Explicação
É difícil ser categórico e afirmar qual a real razão destas diferenças na produção das filhas (a ciência sabe mais o que “não é” do que o que “é”), uma vez que a causa possivelmente seja multifatorial. Entretanto, as possíveis explicações são: menor capacidade absortiva de imunoglobulinas (igG) pelas bezerras, comprometimento da imunidade das células, maior concentração de insulina (pode gerar resistência à insulina) e uma formação de alvéolos (local onde é produzido os compostos do leite) menores e com menos células secretoras de leite.
Netas: vacas expostas ao estresse térmico durante o final da gestação, podem comprometer o desenvolvimento das células germinativas do feto em formação (que nas fêmeas são as células que produzem os óvulos para fecundação no futuro). Este efeito no desenvolvimento do sistema reprodutor pode ser transgeracional, e por isso, acabar carreando um efeito para as filhas destas novilhas. Esta é a suposição descrita pelos autores que melhor explica os efeitos do estresse térmico das “avós” sobre a produção das “netas”.
Além dos efeitos na produção de leite, também foram verificadas diferenças em outros parâmetros como a duração da vida produtiva, e os achados seguiram a mesma tendência. Entretanto, estes resultados não serão discutidos neste artigo.
Para finalizar: a ligação entre o estresse térmico durante a lactação e a produção de leite é bastante clara (Tao et al., 2020), assim como entre o estresse térmico no pré-parto e a produção de leite da lactação seguinte (Fabris et al., 2020), e recentemente (últimos anos) parece ganhar solidez a relação entre: vacas submetidas a estresse térmico no pré-parto e a produção de leite da 1ª e 2ª geração de fêmeas oriundas destes animais.
Vou sugerir a você leitor/produtor resfriar vacas que estão passando calor no pré-parto? – Não, essa decisão é sua, eu apenas compartilhei resultados. Até a próxima.
Escrito por Daniel Augusto Barreta
Fonte: Milk Point
Referências
Fabris et al. 2020. Effect of heat stress during early, late, and entire dry period on dairy cattle. J. Dairy Sci. 102. https://doi.org/10.3168/jds.2018-15721
Laporta et al. 2020, Late-gestation heat stress impairs daughter and granddaughter lifetime performance. J. Dairy Sci. 103:7555–7568. https://doi.org/10.3168/jds.2020-18154
Thao et al. 2020. Impact of heat stress on lactational performance of dairy cows. Theriogenology. 150: 437-444. https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2020.02.048