Na Nova Zelândia, universidades e empresas financiam a inovação

Na Nova Zelândia, universidades e empresas financiam a inovação

30 de junho, 2019

Por Beth Koike, publicado no Jornal Valor Econômico.

Seu lugar favorito no mundo é o Havaí, com suas ondas perfeitas para o surfe. Mas foi na Nova Zelândia que o carioca Matheus Vargas, 34 anos, surfista nas horas vagas, encontrou o melhor local para desenvolver seu projeto acadêmico. Em cinco anos, sua pesquisa transformou-se numa startup, a Orbis Diagnostics. Seu produto: uma tecnologia capaz de detectar, em apenas 15 minutos, se o leite analisado deve ser usado para produzir iogurte ou queijo, e se a vaca está no melhor período de reprodução.

A Nova Zelândia é a maior exportadora de leite e laticínios do mundo, o que fez com que o projeto do cientista brasileiro despertasse a atenção de investidores e acadêmicos.

A história de Vargas não é um caso isolado em Aotearoa, como a Nova Zelândia é conhecida no idioma dos maoris, povos nativos da região. Neste país com 4,7 milhões de habitantes e dividido em duas ilhas na Oceania é comum o setor privado patrocinar pesquisas feitas nas universidades. A prática ajudou o país a tornar-se uma referência mundial em inovação.

Não há receio de as empresas influenciarem na condução dos estudos. "Se uma empresa fizer esse tipo de interferência, sua imagem é afetada negativamente. Aqui, as coisas são muito transparentes", disse Vargas. Na Nova Zelândia é mais fácil abrir uma empresa do que no Brasil, onde há investimento privado em pesquisa, mas o projeto acadêmico em geral não avança até o ponto de se tornar uma empresa - a burocracia atrapalha os brasileiros.

No ano passado, o investimento em pesquisa acadêmica na Nova Zelândia foi de US$ 2,7 bilhões. A maior parte, equivalente a US$ 1,5 bilhão, veio do setor privado. Empresas como a gigante Fonterra, cooperativa que produz 22 bilhões de litros de leite por ano, e a fabricante de dispositivos médicos Fisher & Paykel, são grandes patrocinadoras de estudos científicos no país. A outra fatia de US$ 543 milhões foi bancada pelo governo, que aplicou esses recursos em instituições de pesquisa.

Os US$ 665 milhões restantes foram investidos pelas oito universidades mantidas pelo governo - não há universidades privadas na Nova Zelândia. Assim, no total, o governo investiu US$ 1,2 bilhão em pesquisa acadêmica, ou cerca de 60% do orçamento destinado ao ensino superior.

As universidades da Nova Zelândia têm ainda outra fonte de receita. Além dos repasses do governo e dos recursos do setor privado em pesquisa, há as mensalidades pagas pelos alunos. Apesar de as instituições de ensino serem públicas, os alunos neozelandeses pagam, por ano, o equivalente a US$ 3 mil e os estrangeiro, cerca de US$ 45 mil - essa é uma fonte de receita relevante para as universidades.

A educação básica é gratuita para quem é nativo. Não à toa, os gastos do governo nessa etapa escolar são muito maiores. No ano fiscal de 2017/2018, o orçamento na educação básica foi de US$ 5,5 bilhões. No mesmo período, o ensino superior recebeu US$ 2 bilhões.

A parceria entre universidades e o setor privado remonta os anos de 1980, quando a Nova Zelândia mudou completamente sua política econômica, adotando um modelo neoliberal. Nesse período, muitas empresas faliram, por conta da entrada de concorrentes estrangeiros. A decisão do governo, então, foi investir em setores específicos, nos quais a Nova Zelândia fosse muito competitiva. Agronegócio, turismo e educação são exemplos de áreas selecionadas. Esses três setores são as principais fontes de receita do país.

Em 2017, a educação internacional (que engloba cursos de inglês, graduação e ensino fundamental para estudantes estrangeiros) movimentou US$ 3,4 bilhões. A meta do governo é elevar esse valor em 20% até 2025.

Na University of Auckland, a maior da Nova Zelândia, os projetos de pesquisas, que se transformaram em empresas, geram receita de US$ 152 milhões por ano, em média. A instituição de ensino investe e entra como sócia de empresas criadas por seus alunos.

A University of Auckland tem também um braço de comercialização de pesquisas, que faz a intermediação com a indústria. Essa empresa, denominada Uniservices, faturou US$ 76 milhões em 2017, quando criou dez negócios a partir das pesquisas geradas internamente. As universidades têm a preferência para serem as investidoras das pesquisas. A indústria pode ser sócia dos pesquisadores ou bancar sozinha um projeto.

"Nós selecionamos cerca de 600 novos PhDs por ano, sendo que 200 são financiados pela universidade", disse Caroline Daley, pró-reitora de pós-graduação da University of Auckland, que tem 42 mil alunos, sendo 7 mil estrangeiros, de 120 países. "Parte do meu trabalho é atuar com provedores de bolsas de estudo em todo o mundo que querem financiar cidadãos estrangeiros para fazer seu doutorado aqui. Uma das parcerias que temos é com a Colômbia".

Na Lincoln University, especializada em agronegócios, metade do doutorado mais importante é patrocinada por empresas. E vários de seus cursos são criados a partir da demanda do setor privado. "Algumas vezes, somos criticados por estarmos muito próximos da indústria. Minha resposta a essa crítica é 'você pode ficar parado no portão, vendo o cavalo passar e dizer que ele passou muito rápido ou subir nele e ajudar a guiar", disse David Simmons, professor da Lincoln University, em Christchurch. A instituição usa fazendas da região para ministrar aulas práticas e tem também um braço que assume a gestão de fazendas com problemas operacionais e financeiros.

Um dos principais objetivos do governo da Nova Zelândia é atrair alunos de outros países, principalmente de doutorado. Atualmente, 48% dos pesquisadores de PhD são estrangeiros - esse percentual é quase o dobro do registrado em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Isso ocorre graças à adoção de um programa, em 2005, em que os estrangeiros pagam entre US$ 4,3 mil e US$ 6 mil por ano pelo doutorado, com possibilidade de visto permanente. Esse é o mesmo valor desembolsado pelos neozelandeses. Para efeito de comparação, na Austrália paga-se cerca de US$ 20 mil.

O interesse do governo em atrair estrangeiros mais qualificados também ocorre porque hoje a maioria, quase que absoluta, dos estudantes vai em busca de cursos de inglês. Há uma grande presença de alunos da China e Índia - esses dois países respondem por metade do mercado de educação voltado a estrangeiros. O Brasil representa 3%, com 3,6 mil estudantes, sendo 102 matriculados em curso de ensino superior.

"É realmente importante não estarmos tão fortemente dependentes desses dois mercados [China e Índia] daqui para frente. Então, o Brasil nos dá uma diversidade relevante. Também queremos mais alunos da Colômbia, Chile, Vietnã, Estados Unidos e outros vários países", disse Lisa Futschek, diretora geral da Education New Zealand, braço do Ministério da Educação que atua com educação internacional. Para ela, "a diversidade cultural é importante para o futuro do país".

A presença de estrangeiros na Nova Zelândia chama a atenção. O Valor visitou, em uma semana, as cidades de Auckland, Christchurch e Wellington. Asiáticos, europeus, indianos, sikhs com seus turbantes coloridos, americanos e brasileiros estão por toda parte, convivendo com os kiwis - como são popularmente conhecidos os neozelandeses devido a uma ave típica da região com esse nome.

Estrangeiros e kiwis estudam nas universidades de Wellington, a capital. Circulam pelas congestionadas avenidas e modernos edifícios de Auckland. E também são vistos na tranquila Christchurch, onde à noite os jovens se encontram nos pubs - herança dos britânicos. A Nova Zelândia foi colonizada pelos ingleses que propagaram também a cultura do chá com leite.

De olho nessa diversidade, a Massey University criou um curso de especialização de língua portuguesa neste ano que já tem 15 alunos. A Victoria University fechou parcerias com instituições brasileiras como USP, Insper e FGV, todas de São Paulo, onde institutos de apoio à pesquisa costumam ter mais recursos.

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