Marcelo de Paula Xavier


Editor do Canal do Leite, Administrador de Empresas e Mestre em Agronegócios

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Sybil’s Gamboge: O touro de mais de 1 milhão de dólares

08 de junho, 2025

Escrito por Marcelo de Paula Xavier, M.Sc.*

 

Quem anda pela famosa Wall Street – a rua do sul de Mahattan que se tornou o coração do mercado financeiro nos Estados Unidos – se depara com a estátua de um grande touro dourado (foto acima). Colocada em frente da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), em 1989, a obra conhecida como “Charging Bull” foi criada pelo escultor Arturo Di Modica e simboliza a força e o otimismo do mercado de capitais.

Mas, esse não foi o primeiro touro a ser exibido em Wall Street....Em 1919, outro bovino teve seu momento de glória no local e, ao contrário do seu colega dourado, este último estava bem vivo.

Sybil’s Gamboge foi um touro que marcou a pecuária leiteira do século passado. Importado da Ilha de Jersey, ele foi comercializado nos EUA por um valor astronômico, estabelecendo um novo recorde mundial de preço na época. Seu nome e seu legado ajudaram na consolidação e na expansão global da raça Jersey.

A COMPRA DE GAMBOGE SE PROVOU BASTANTE RENTÁVEL

Sybil’s Gamboge foi vendido em um dos leilões de Edmund Butler por US$ 65.000 ao ex-senador L. V. Walkley (de Connecticut), em 4 de agosto de 1919. Este preço recorde para a raça Jersey só seria superado em 1966, quando Marlu Milad foi comprado pela ABS por cerca de US$ 70.000. Após sua venda, Gamboge foi transportado de trem para Nova York, onde foi apresentado em um desfile na Wall Street, para provar o valor do investimento em um animal leiteiro.

Em valores atuais, esses 65.000 dólares equivalem a mais de U$ 1.150.000. Cabe destacar ainda que, naquele mesmo leilão, 15 filhas do touro recordista foram vendidas por US$ 44.600 (média de US$ 2.974), sendo que uma delas foi arrematada por US$ 10.100 (Bagot’s Gamboge Crocus). Dois anos mais tarde, em maio de 1921, os descendentes de Sybil’s Gamboge já haviam sido vendidos por um valor combinado superior a US$ 500.000.

Sua progênie, aliás, sempre alcançava os maiores preços em qualquer leilão que participasse. Segundo um artigo do New York Times de 29 de maio de 1921: “Às 3 semanas de idade, cada bezerro seu valia US$ 1.000 e muitos deles foram vendidos por mais de U$ 3.000 cada.”

Dois anos após a compra de Sybil’s Gamboge, o senador aposentado Walkley decidiu liquidar o seu gado de leite. Em sua moderna fazenda de animais de exposição em Connecticut, ele havia formado um excelente rebanho de vacas Jersey com 76 animais, dos quais 40 eram descendentes do velho touro.

O leilão ocorreu em 4 de junho de 1921. Gamboge não participou do certame, pois já havia sido vendido para Eleanor Fitzgibbon. Ele estava alojado na recém renomeada fazenda “Sybilholme”. Anteriormente o criatório de Eleanor se chamava Montepelier Manor Farms e estava estrategicamente localizado próximo a Nova York, para atrair muitos visitantes interessados na compra de gado Jersey.

Sybil’s Gamboge morreu um pouco mais tarde, em 1924, aos dez anos de idade.

CONSANGUINIDADE EM ALTA

Criado por Charles Mourant, Sybil’s Gamboge tem uma genealogia que representa bem o notável grau em que algumas linhagens foram concentradas na Ilha de Jersey (ver pedigree abaixo). Mas, nenhuma família de animais da Ilha foi mais intensamente consanguínea do que os descendentes de Oxford Lass. 

Podemos dizer que esses animais foram acasalados até quase o incesto. Na quarta geração do pedigree de Sybil’s Gamboge (trisavós), por exemplo, onde normalmente apareceriam 8 touros diferentes como ancestrais, Oxford Lad aparece 7 vezes. Ademais, todas as vacas dessa geração são netas e/ou bisnetas de Oxford Lass e – na quinta, sexta e sétima gerações – ele aparece nada menos que 18 vezes.

Uma nota curiosa sobre Sybil’s Gamboge surgiu cerca de 20 anos depois, em um artigo publicado no Jersey Bulletin (publicação nacional da raça Jersey nos Estados Unidos). Eleanor Fitzgibbon, proprietária da fazenda Sybilholme, escreveu sobre a alta incidência de bezerros gêmeos – na maioria das vezes do mesmo sexo – que ocorriam na família "Sybil".

Ao descrever a frequência desses nascimentos, ela afirmou ter rastreado nada menos que 140 pares de gêmeos nos Estados Unidos e na Ilha de Jersey, descendentes de Sybil’s Gamboge e de seus diversos filhos e filhas. Eleanor comentou que Frank Mourant (filho do criador de Gamboge) explicou porque havia assim tantos partos gemelares: “Isso é muito simples. A mãe de Gamboge era gêmea!”

A DESCENDÊNCIA DE SYBIL'S GAMBOGE

Um dos pilares da raça Jersey foi o touro Oxford Lad*, criado por Paul Perrédès na Ilha de Jersey e importado por Howard Willets, proprietário da Gedney Farm nos Estados Unidos. Edmund Butler era funcionário do Sr. Willets nessa época, em 1905, e foi por recomendação de Butler que o touro foi adquirido.

Alguns anos mais tarde, o próprio Butler se tornou um importante importador de gado. Ele trouxe muitos animais das linhagens "Oxford" e "Sybil" da Ilha de Jersey. Entre os animais importados por Edmund Butler, estava Oxford Majesty (avô paterno de Gamboge), pai de dois Grandes Campeões Nacionais nos EUA e vencedor do prêmio Get of Sire nas Exposições Nacionais americanas de 1916 e 1917. Mas, o touro mais importante que ele importou foi Sybil’s Gamboge, vendido em um dos seus leilões para L. V. Walkley, conforme descrito anteriormente.

Avançando mais para o futuro, temos um ótimo exemplo da influência de Gamboge na raça: A vaca Molly Brook Fascinator Flower. Classificada EX-90, ela nasceu em 1980 e ficou em terceiro lugar no concurso das maiores vacas do Jersey Journal no ano 2000 (Great Cow Contest). Ela foi uma grande doadora de embriões, com mais de 50 descendentes registrados, incluindo embriões congelados enviados internacionalmente de sua fazenda natal em Vermont.

Flower tem a distinção de ter filhos que alcançaram posições extremamente altas nas listas de índice genético, tanto nos EUA quanto no Canadá. Podemos citar dois animais que foram utilizados como reprodutores importantes nesses países: Molly Brook Brass Major nos EUA e Molly Brook Fusion-ET no Canadá.

Algumas de suas filhas se tornaram mães de touros nos Estados Unidos. Ela também tem filhas – enviadas a compradores internacionais como embriões congelados – campeãs de produção no Reino Unido e na Austrália, países onde foram utilizadas como mães de touros, da mesma forma. 

A partir de Flower e de suas descendentes maternas diretas, mais de 100 reprodutores já ingressaram em programas de inseminação artificial. Mas, sua influência internacional provavelmente é ainda maior, com sucessos notáveis em diversos países.

A terceira mãe de Flower foi comprada pela Molly Brook Farm em um leilão local em Vermont, em 1969. Pesquisas posteriores sobre sua genealogia ampliada revelaram que sua décima mãe – Green Farm Sybil, nascida em 1916 – era uma das filhas importadas mais famosas de Sybil’s Gamboge.

 

*Nota: Nos EUA, o touro Oxford Lad acabou sendo renomeado para Gedney Farm Oxford Lad justamente porque ele foi importado por Howard Willets, proprietário da Gedney Farm.

 

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*Marcelo de Paula Xavier, formado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, com Mestrado em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil por 2 mandatos consecutivos e atualmente é editor do Canal do Leite.

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