Para começar essa conversa precisamos definir brevemente o que é felicidade. Eu costumo dizer que felicidade é estar onde se quer estar. A dificuldade - pelo menos para nós, humanos - é saber onde queremos estar e depois, buscar esse local. Para animais isso é um pouco mais simples, pois basta respeitar a natureza e entender o que aconteceria com o animal na natureza.

Olhando para a evolução das espécies, existem boas razões para que haja um comportamento característico. Vacas são animais sem muitas opções de defesa com exceção dos chifres, quando tem. Portanto, é muito mais seguro para os indivíduos viverem em grupos, pois a proteção é muito maior do que animais sozinhos na natureza.

Além disso, comer rapidamente e em grandes quantidades é uma excelente estratégia para evitar predadores, pois, no momento em que estão pastando estão de cabeça baixa e distraídas e, por isso, se tornam presas fáceis. Então comer rápido e ir logo para um lugar seguro (geralmente mais alto e com sombra) as coloca numa situação muito mais segura.

Faz sentido que elas fiquem ruminando por horas? Sim, a natureza permitiu essa adaptação para permitir a proteção de animais naturalmente tão vulneráveis.

Quando as necessidades de segurança e nutrição estão satisfeitas geralmente as espécies entram em período reprodutivo. Portanto, reprodução é um sinal que os animais estão bem como um todo e portanto que estão felizes.

Além disso, vacas não podem ser felizes se estão doentes ou com medo. Se os animais sentirem dor por qualquer razão, se sentem acuados ou amedrontados e entrarão num estado de estresse que liberará vários hormônios prejudiciais saúde e a reprodução. Interessante pensar que esses pontos estão totalmente de acordo com o que entendemos por direitos dos animais, a saber:

1. Livre de fome ou medo;
2. Livre de desconforto;
3. Livre de dor, ferimentos ou doenças;
4. Livre para expressar seu comportamento;
5. Livre de angústia.

Se vacas encontram um lugar em que possam cumprir essa lista, elas serão felizes, ou pelo menos na maioria do tempo. Estes 5 direitos tocam sempre 4 áreas principais já bastante conhecidas: Nutrição, ambiência, saúde e comportamento animal. Se olharmos para trás, podemos dizer que as vacas eram mais felizes no passado ou que são mais felizes agora?

A nutrição talvez seja uma das áreas de estudo mais antigas e até hoje um dos assuntos mais estudados, já que reflete diretamente na produção. "Vacas que não comem bem não produzem bem”, essa é uma máxima que, mesmo o produtor mais isolado em termos de conhecimento técnico, saberia dizer.

Em relação a saúde, também podemos dizer que nós, veterinários, estudamos além dos 5 anos de faculdade, uma vida inteira para entender o que se passa fisiologicamente com as vacas, um animal complexo e cheio de particularidades. Da lista acima eu diria que ambiência e comportamento são estudos mais recentes. Temos materiais mais robustos há apenas 30 ou 40 anos e é uma área que vem crescendo diariamente. Antes eram áreas muito mais intuitivas, até porque os rebanhos eram menores e, portanto, se conhecia a vaca pelo nome e cada um na fazenda sabia do histórico e as particularidades de cada animal.

Hoje, o que era costume tem chancela científica. Por exemplo, sabemos que quanto mais confortável a cama das vacas, mais tempo ela vai permanecer deitada e que isso significa mais aporte de sangue para o úbere e, consequentemente, maior produção de leite.

Dentro disso tudo, a reflexão do texto de hoje é sobre um olhar mais amplo e profundo sobre a questão.

Buscar que nossas vacas sejam cada vez mais felizes é entender que essas 4 áreas que os direitos dos animais falam estão intimamente ligadas e são codependentes. Ver a “felicidade” como ponto central de sua fazenda te faz entender que ambiência permite que a nutrição tenha melhor aproveitamento ou que a saúde dos animais influencia diretamente no comportamento.

É enxergar o conceito global e não apenas ver áreas como coisas separadas. Dar uma volta pelos seus lotes após essa reflexão vai te fazer pensar se é possível melhorar a vida delas, seja com ventiladores, com cochos melhores, com uma rotina mais acertada, sombra adequada, etc.

E por que isso é tão importante?

Primeiro porque estamos falando de animais longevos, ou seja, que vão viver muitos anos dentro de uma fazenda, dessa forma sua performance deve ser pensada a longo prazo, isto é, não adianta hoje buscar a melhor dieta e desligar ventiladores e amanhã esquecer o casqueamento preventivo e começar a dar banho nas vacas. Todas as decisões terão efeito a longo prazo, pelo simples fato de as lactações durarem quase um ano e se tratar de animais que viverão por muitas lactações.

Segundo, a produção de leite é uma atividade de margens apertadas e que não permite decisões impulsivas. Portanto, pensar no bem-estar dos animais de forma mais ampla, é pensar em prevenção além do que te ajuda a tomar decisões melhores e mais equilibradas. (Leia mais sobre o assunto em: O que ninguém te conta antes de construir um compost)

Exemplo: Você se endivida para construir um barracão, o que realmente é uma excelente solução para ambiência, mas não faz planejamento nutricional na fazenda e as vacas passam fome porque a silagem não foi suficiente. Entende? Está tudo ligado! E apesar de você ter tido a melhor das intenções, ninguém fica feliz de barriga vazia.

Terceiro e último ponto, é que o consumidor está cada dia mais preocupado com o bem-estar animal. Cada dia mais as pessoas recebem informações sensacionalistas dizendo que vacas sofrem e por isso querem respostas, então é importante que nos preparemos como grupo para uma pressão cada vez maior. Porém, convenhamos que essa é uma pressão saudável ao negócio, uma vez que traz benefícios a todos e consciência tranquila de quem consome leite na cidade e entende muito pouco de vacas.
 

Escrito por: Hayla Fernandes

Fonte: MilkPoint