Raio X do Leite

Raio X do Leite

25 de abril, 2019

No início do ano, um tuíte da Presidência da República trouxe à tona a complexidade da cadeia do leite no Brasil:

“Comunico aos produtores de leite que o governo - tendo à frente a ministra da Agricultura, Tereza Cristina - manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial os consumidores do Brasil”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro na rede social.

A postagem se referia à decisão do presidente que determinou compensações ao setor depois que a equipe econômica do ministro Paulo Guedes retirou as tarifas antidumping de 14,8% impostas ao leite em pó da União Europeia e de 3,9% para a Nova Zelândia, em vigor desde 2001.

A justificativa para o fim da alíquota foi que a prática de dumping – quando um país é inundado por um determinado produto a preços abaixo do valor de custo, prejudicando os produtores locais – não estava sendo praticada. O anúncio provocou uma forte reação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que alegou que a medida poderia levar os produtores de leite ao colapso.

Segundo Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (ABRALEITE), com o fim da tarifa, os europeus poderiam voltar a despejar o leite em pó no mercado brasileiro, o que seria uma concorrência desleal com os produtores locais, já que os europeus são subsidiados.

“O dumping não está sendo praticado por conta da tarifa; sem a tarifa, vai voltar a acontecer”, diz Borges. Além disso, os estoques de leite da Europa estão altos e perto do fim do prazo de validade, o que poderia levá-los a desovar o leite no Brasil com preços ainda mais baixos.

No “cabo de guerra” entre a FPA e a equipe econômica do governo, quem venceu a disputa foi a primeira. Mesmo hospitalizado, Bolsonaro deu ordens para Paulo Guedes rever a decisão. O caminho encontrado foi um decreto com uma sobretaxa à União Europeia de 42,8%, que equivale à soma da tarifa antidumping de 14,8% com a tarifa de importação de 28%. A solução foi comemorada pelo presidente com a postagem do início da matéria.

A reação de liberais foi dizer que a decisão era corporativista e deixaria o leite mais caro para a sociedade brasileira. No entanto, o argumento da ABRALEITE é justamente o contrário. Para Geraldo Borges, “dificilmente a indústria diminuiria o preço cobrado do consumidor. Quem sofreria seria o produtor de leite, que teria o preço achatado. Afetaria toda a cadeia produtiva nacional, principalmente os pequenos e médios produtores e as cooperativas”.

Segundo o dirigente, se o fim da tarifa tivesse sido mantido, haveria especulação. “Algumas indústrias poderiam se aproveitar da informação para diminuir o preço pago ao produtor”, explica. Além disso, no curto prazo, o despejamento de leite por parte dos europeus poderia acarretar a saída de pecuaristas nacionais da atividade. É uma tendência mundial a concentração da produção leiteira.

No Brasil, esse movimento tem se intensificado em função da lei do frete, que torna inviável à indústria buscar pouca quantidade de leite em pequenos produtores. No médio prazo, se o fim das tarifas persistisse, poderia haver inflação do preço do leite, quando os estoques europeus acabassem.

No longo prazo, a debandada de produtores da atividade poderia levar o país a perder a autossuficiência na produção de leite. Hoje, o Brasil é o 4º maior produtor mundial, mas a produtividade média por vaca/ano no país é de 1.963 litros, segundo a pesquisa pecuária municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), muito aquém da média mundial, que é de 3,5 mil litros por vaca/ano.

Esse contexto evidencia a necessidade de políticas públicas que aumentem a eficiência da cadeia de leite nacional, reduzindo custos e aumentando a qualidade e a competitividade do produto.

 

Fonte: Caderno Agro - Estadão

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